quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

De que Jesus estamos falando?


Introdução

No Evangelho de Mateus, capítulo 27, verso 17, encontramos algumas palavras bem curiosas proferidas por Pôncio Pilatos. Nesse texto, Pilatos se dirige ao povo judeu nas proximidades da celebração da Festa da Páscoa, dizendo o seguinte (o texto aparece assim em algumas variantes do original grego):

“A quem quereis que eu solte para vós, [Jesus o] Barrabás ou Jesus o chamado Cristo?”.

Embora este versículo possa, a princípio, causar estranheza àqueles que não estão familiarizados com as várias nuanças do texto bíblico original, ele é, por outro lado, bem apropriado para descrever uma faceta bem característica do nosso atual contexto religioso brasileiro. Estou me referindo à ignorância generalizada e crônica existente sobre quem de fato foi Jesus. Você pode estar se perguntando: “Havia mesmo dois ‘Jesus’: o Barrabás e o Cristo?”. E a resposta é: “Sim, de acordo com alguns manuscritos gregos antigos, havia!”. E é exatamente isso que chama a minha atenção: Pilatos fala sobre a existência de duas pessoas chamadas ‘Jesus’ às vésperas da crucificação de nosso Senhor. E ele pergunta para os judeus: “Qual Jesus vocês querem que eu solte, o Barrabás ou o Cristo?”. Porém, deve ser dito aqui que o “Jesus Barrabás” era completamente diferente do “Jesus Cristo”. Enquanto que o primeiro era um criminoso (Jo 18.40), o segundo era inocente (Mt 27.4), para mencionar apenas uma das inúmeras outras diferenças existentes entre ambos, as quais poderíamos citar aqui.
Entretanto, acredito que esse “outro Jesus” mencionado por Pilatos, também existe às dezenas, senão às centenas e ainda até aos milhares em nossa rica, mas ao mesmo tempo, complexa religiosidade universal e, particularmente, tupiniquim. O que estou dizendo pode ser melhor exemplificado por meio das linhas que seguem. Dê só uma olhada nos vários “outros Jesuses”, além de Barrabás, que existem por aí mundo afora. Destacaremos tais “Jesuses” dentro de três contextos específicos:

I. No Contexto do Pluralismo Religioso

No contexto do pluralismo religioso, podemos destacar, dentre outros, alguns tipos de “Jesuses”. O “Jesus” do Islamismo, por exemplo, é apenas um dos cerca de 124 mil profetas enviados por Deus para os mais diversos povos e culturas. Para os muçulmanos, esse Jesus não é o Filho de Deus sem pecado. Já o “Jesus” do Budismo não é nada mais, nada menos, do que um grande homem iluminado. Quanto ao “Jesus” do Hinduísmo, este é visto como um mestre, um guru e um avatar (uma encarnação da divindade Vishnu). Já o “Jesus” do Mormonismo era casado e a sua morte na cruz não propiciou expiação completa por todos os pecados. No que se refere ao “Jesus” dos Testemunhas de Jeová, ele é entendido como “um deus”, e não como “Deus”. Além disso, ele existiu antes de sua própria encarnação sob a forma do arcanjo Miguel e acabou morrendo pendurado numa estaca (e não em uma cruz). O “Jesus” do Espiritismo, quando de seu ministério terreno, foi um profeta e um médium evoluído. Ele foi homem, e não Deus. E quanto ao “Jesus” da religião Hare-Krishna? Bem, ele é retratado como um mestre iluminado vegetariano que ensinou a meditação. Perceba que estes muitos retratos de Jesus, embora existam em grande quantidade, todavia, não são “fotos perfeitas” de Jesus, mas apenas “fotografias danificadas” do Filho de Deus.

II. No Contexto Evangélico Brasileiro

Já no contexto evangélico tupiniquim, vários “outros Jesuses” podem ser encontrados. Aliás, devemos dizer antes de tudo que, se para o nosso povo, Deus é brasileiro, então, Jesus também o é. Afinal de contas, a estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, é uma das sete maravilhas do mundo! Mas então, qual é a “cara” desse Jesus brasileiro? Bem, esse “Jesus” é extremamente versátil. Acredite, existe sempre um “Jesus” diferente para cada tipo de fiel. Ele é, na verdade, uma espécie de “Jesus Tabajara”, à maneira Casseta & Planeta, cujo adorador acredita ter o direito de ouvir de seus próprios lábios (de Jesus), o refrão: “Seus problemas acabaram!!!”. Esse “Jesus” acaba sendo visto como um tipo de “canivete multifuncional”, com perdão pela comparação (como aquele da empresa suíça Wenger S/A, que possui 87 funções diferentes!), o qual ajuda o fiel a lixar as unhas, abrir garrafas, retirar rolhas, cortar papéis e muito mais. Infelizmente, essa visão utilitarista que temos de Jesus em muitos de nossos arraiais evangélicos, é uma visão extremamente turva, através da qual ele é enxergado como uma espécie de “quebra-galhos” espiritual. Seria cômico, se não fosse trágico esse tipo de constatação. Porém, a verdade deve ser dita, esse “Jesus multifuncional” tem sido proclamado e adorado em muitas de nossas igrejas atualmente.

III. No Contexto Ideológico

Por fim, no campo ideológico também proliferam os vários “Jesuses”. A fim de ser prático, mencionarei brevemente apenas três exemplos que rumam nesta direção. Na Teologia da Libertação, “Jesus” é pintado como um revolucionário, uma espécie de Che Guevara Galileu, alguém que defende os fracos, oprimidos e marginalizados da sociedade. Na Teologia Feminista (uma vertente da Teologia da Libertação), Jesus também é visto ideologicamente como aquele que luta pela causa dos marginalizados, neste caso, marginalizadas, ou seja, as mulheres. Já o “Jesus” da Teologia da Prosperidade é visto como uma pessoa rica (não que riqueza seja algo errado), que andou montado numa jumenta 0 km (mas emprestada!) nas cercanias do Monte das Oliveiras, que era empresário (sendo Judas o gerente financeiro da empresa “Jesus S/A”) e que foi enterrado numa sepultura novinha em folha (mas doada por José de Arimatéia). Acho curioso que esse último “Jesus” não tenha sido pregado nos púlpitos da Etiópia, de Angola, do Haiti ou de Serra Leoa.

Conclusão

Bem, a essa altura acredito que já tenha ficado bem claro que essa multiplicidade de “Jesuses” que existe por aí, contribuiu demais para a tamanha confusão cristológica vigente. Por isso, creio que seja crucial fazer a seguinte pergunta: “de que Jesus estamos falando, afinal de contas?”. Ora, sinceramente, não acredito que esses vários “Jesuses” que foram citados anteriormente sejam o mesmo Jesus que encontramos nas páginas dos Evangelhos. Muito pelo contrário, penso que essas visões reducionistas, fragmentadas, equivocadas e ideológicas do nazareno têm contribuído, e muito, para uma maior incompreensão do mesmo.
Sendo assim, quando os Evangelhos falam sobre Jesus, de que Jesus eles estão falando? Bem, os Evangelhos falam de Jesus como alguém que era Deus e homem ao mesmo tempo, alguém que morreu na cruz pelos nossos pecados, alguém que era o Messias prometido nas páginas do Antigo Testamento, alguém que se preocupava com todos os tipos de pessoas (não somente os marginalizados), alguém que não pode ser visto de forma dissociada do judaísmo do I Século (pois Jesus era judeu), alguém que não pendia unilateralmente para um determinado grupo ou ideologia em detrimento dos demais. Enfim, um Jesus que veio para revelar Deus à humanidade e para cumprir os seus divinos propósitos.

Autor: Carlos Augusto Vailatti

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