sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A Teologia Feminista

A Dra. Ivone Gebara, na apresentação de seu interessante livro: O Que é Teologia Feminista, pp.9-10, faz o seguinte comentário:


"Desde que em 1982 começamos a cantar o refrão 'Deus é menina e é menino' com letra e música de Pepeu Gomes, uma brecha se abriu na cultura popular brasileira para considerarmos a questão da possibilidade de acolher um rosto feminino da divindade (...). No contexto brasileiro, a música popular introduziu de maneira animada e alegre o feminino na hegemonia do masculino, sobretudo em relação à complexidade do ser humano e à simbologia do divino. De repente a música (...) provocou um desejo de respeito às diferenças não só políticas e sociais, mas também simbólicas. A canção fez parte de um conjunto amplo de produções artísticas da época com base nas quais preconceitos, papéis e estereótipos sexuais foram criticados e até rejeitados (...) Cantar o Deus menina e menino, reconhecer o feminino e o masculino em nós, pode ser considerado um passo em direção à possibilidade de uma teologia feminista menos fechada apenas a um grupo de especialistas ou a algumas pessoas interessadas (...)".

A autora, ao defender nesta excelente obra que Deus foi inserido nas diversas culturas e religiões, incluindo-se aqui o próprio cristianismo, como um ser essencialmente masculino, questiona o porquê das mulheres terem sido colocadas em segundo plano nesse contexto. Além disso, ela também questiona o porquê dos símbolos do heroísmo, do sacrifício e da abnegação, dentre tantos outros, terem uma característica acentuadamente masculina. Embora a sua obra seja, sem dúvida alguma, muito bem escrita e, inclusive, recomendada a sua leitura, acredito que o nome Teologia Feminina seria mais apropriado para descrever essa área relativamente nova da Teologia, em vez de Teologia Feminista. A meu ver, a Teologia Feminista corresponde muito bem a uma outra faceta da Teologia da Libertação. Em outras palavras, trata-se de uma teologia voltada para defender os marginalizados e excluídos da sociedade. Por outro lado, a Teologia Feminina seria aquela que produz reflexões sobre Deus e a sua interação com o mundo a partir da perspectiva feminina. Enquanto que o adjetivo feminista transmite, por uma lado, uma certa sensação de vingança almejada por parte das mulheres, o adjetivo feminina, por outro lado, parece ser mais ameno e apropriado. Talvez, esta seja uma mera questão de terminologia. Quem sabe?

De qualquer forma, como homem, gostaria de dizer que não me oponho à existência de uma teologia feminina. Muito pelo contrário, eu até a defendo e admiro, desde que, é claro, essa teologia não seja radical como aquela propagada por Elizabeth Cady Stanton que, no século passado, escreveu a Bíblia das Mulheres, Bíblia esta que teve muitos de seus trechos eliminados pela autora, pois eram vistos como textos claramente opressivos contra as mulheres. Acredito que atitudes como a do Papa João Paulo II, que em 2004 nomeou duas mulheres para integrarem a Comissão Teológica Internacional, Sara Butler e Barbara Hallensleben, devem se incentivadas e repetidas muitas vezes. O meu sincero desejo é que as mulheres tenham os seus direitos equiparados aos direitos masculinhos. Elas merecem isso!

No demais, oxalá que Deus multiplique pelo mundo afora mulheres tais como: a cientista Marie Curie, a religiosa Madre Teresa de Calcutá, a poetisa Cora Coralina, a política paquistanesa recém-assassinada Benazir Bhutto, e tantas outras. Nesse nosso imenso universo, há espaço para todos e para todas.

Carlos Augusto Vailatti

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O Deus de "Já"

A tradução da Bíblia de João Ferreira de Almeida, em sua edição revista e corrigida (conhecida também pela sigla: ARC), infelizmente ainda continua a causar alguns transtornos para os leitores mais desatentos. Dentre os vários exemplos que poderíamos citar, menciono o seguinte:

"Cantai a Deus, cantai louvores ao seu nome; louvai aquele que vai sobre os céus, pois o seu nome é JÁ; e exultai diante dele". (Sl 68.4 - ARC, Imprensa Bíblica Brasileira, 74ª Impressão, 1991).

Tempos atrás, ao conversar com um homem, ele me disse: "Irmão, eu estou pedindo uma bênção para Deus e creio que ele atenderá o meu pedido logo, porque a Bíblia diz que ele é o Deus de Já". E, por mais incrível que possa parecer, há muitas outras pessoas em várias igrejas que têm o mesmo pensamento equivocado: "Deus é o Deus de já". Ora, creio que diante disso algumas considerações se façam necessárias a fim de ajudarmos a corrigir esse tipo de pensamento errôneo:

1ª) João Ferreira de Almeida, ao traduzir este verso do original hebraico para o português, acabou dando uma "aportuguesada" na transliteração do nome sagrado, isto é, em vez de manter yah (forma contraída de Iavé, "Senhor") no texto, ele adaptou o termo para "Já", trocando o "Y" por "J" e omitindo o "H";

2ª) O título yah é uma referência ao nome abreviado de Iavé (como dito antes), e não uma indicação de que Deus age sempre "depressa";

3ª) Saindo do ponto de vista lingüístico e entrando na perspectiva teológica, é extremamente perigoso acharmos que Deus é o "Deus de já". Esse imediatismo cronológico (com o perdão pela tautologia) pode nos levar a pensar equivocadamente que Deus sempre irá responder as nossas orações ou irá agir em determinadas áreas de nossa vida "neste momento, agora, imediatamente, num piscar de olhos, num estalar de dedos, já!". Talvez, a velocidade com que estamos acostumados a ver as coisas acontecerem à nossa volta nos dias atuais seja a grande responsável por esse desejo imediatista que nos consome. Hoje, ao simples aperto do botão "Enter", milhares de informações se descortinam diante de nossos olhos no computador em fração de segundos. Ao colocarmos duas moedinhas de R$1,00 na máquina de refrigerante, rapidamente recebemos a nossa Coca-Cola gelada. E quando aparece a fome, então? Bem, basta nos dirigirmos a um fast food ("comida rápida"), e tudo está resolvido. Todavia, deve ser dito que o "Deus de Já" não é o Deus da Bíblia, pois este último não criou os céus e a terra num "passe de mágica" (embora pudesse fazê-lo se o quisesse), mas os criou em seis dias (Gn 1.31-2.1). Isaque teve que orar durante 20 anos para que a sua mulher, Rebeca, que era estéril, pudesse engravidar (Gn 25.20,21, 26b). O "Deus de Já" não o atendeu imediatamente em seu pedido. Aliás, Deus só resolveu revelar seu Filho à humanidade a cerca de pouco mais de dois mil anos atrás. Por que o "Deus de Já" não fez isso antes, aliás, bem antes?! Ora, a verdade é que Deus não tem pressa alguma, pois ele é Senhor sobre a própria eternidade, sobre o próprio tempo. Nós, sim, que somos finitos, é que queremos que Deus haja rapidamente em nossa vida porque, afinal de contas, nossos dias "são mais velozes do que a lançadeira do tecelão" (Jó 7.6) e a nossa vida "é um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece" (Tg 4.14) e, por isso, não temos tempo a perder.
Porém, devemos ter sempre em mente que o "Deus de Já" pode ainda demorar mais um pouquinho...

Autor: Carlos Augusto Vailatti

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

(Vídeo) Aprenda o Alfabeto Grego em Pouco Mais de 2 Minutos

O meu chará, prof. Carlos Nagaoka, se utiliza de um recurso mnemônico e de uma história curiosa para ensinar o alfabeto grego a partir da pronúncia erasmiana. Este vídeo pode ser útil aos estudantes de teologia que são iniciantes no conhecimento da língua grega (Grego I). É claro que ele é apenas um pontapé inicial...O resto é com o aluno...




(Vídeo) Charges Divertidas - Temas: Cristãos

Essas bem-humoradas charges são do Jasiel Botelho. Você irá perceber que, apesar das charges serem engraçadas, muitas delas refletem o dia-a-dia de muitos cristãos e de muitas igrejas. Divirta-se...

(Vídeo) Leia a Bíblia (Adaptação do vídeo: Filtro Solar)

Trata-se de uma adaptação daquele conhecido vídeo sobre o uso do "Filtro Solar". Fala sobre a importância de pautarmos a nossa vida nos princípios bíblicos. O autor teve muita criatividade... Dê só uma olhada...

(Vídeo) O Gólgota e a Crucificação

Esse mini documentário foi extraído do Ilúmina Gold e traz algumas informações interessantes sobre a crucificação de Jesus. Vale a pena vê-lo. Ah, não se esqueça de deixar o seu comentário sobre ele abaixo...

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

(Vídeo) O Pastor e o seu Harém

Essa reportagem, além de nos mostrar o perigo que há por trás das interpretações dos sonhos, nos mostra também o quão perigoso é interpretar a Bíblia de forma inadequada e tendenciosa. Se esse homem constrói casas da mesma forma como interpreta a Bíblia, então, coitados daqueles que morarem nelas! Aliás, se o profeta Oséias visse o que o sr. Justino fez com a sua profecia, o seu esqueleto estaria "se remexendo no túmulo" até agora... Após vermos cenas como estas, fica claro porque a hermenêutica é uma matéria indispensável no currículo de qualquer seminário ou faculdade teológica.

(Vídeo) A Crucificação de Jesus

Trata-se de uma edição do filme: "A Paixão de Cristo", do Mel Gibson, focada nos momentos da crucificação, que tem de fundo a música "A Coroa" do grupo Raiz Coral. É bem emocionante e nos faz pensar naquilo que Jesus fez na cruz por nós...

(Vídeo) As Pragas do Egito

Esse vídeo busca explicar a ocorrência das Pragas do Egito de uma forma "científica" e anti-sobrenaturalista. Uma vez que vivemos em uma geração pós-iluminista que privilegia a razão em detrimento dos aspectos religiosos e espirituais, então fica fácil entender a motivação da abordagem exibida nesse documentário.

(Vídeo) O Que é a Teologia da Libertação?

Esse vídeo traz um resumido, mas interessante documentário sobre a teologia da libertação, desde o seu surgimento no início dos anos 60 até a atualidade. Vale a pena ver...


domingo, 4 de janeiro de 2009

Reflexões Sobre o "Canto do Galo"

Ao estudarmos a passagem de Lc 22.21-34, nos defrontaremos com a conhecida frase proferida por Jesus no verso 34: "Pedro, não ressoará hoje o galo até que três vezes me negarás conhecer" (minha tradução). Tradicionalmente, esta referência feita ao “canto do galo” sempre foi interpretada ao pé da letra, ou seja, um galo, de fato, cantou no episódio da negação de Pedro. Contudo, como iremos descobrir nas linhas que seguem, tal tradição pode não refletir os fatos exatamente como aconteceram.

Era o galo conhecido no Antigo Testamento? Bem, de acordo com a Vulgata, o termo “gallus” aparece em Is 22.17, Jó 38.36 e Pv 30.31. Em Is 22.17 o termo é a tradução de geber, que a maioria das versões modernas interpreta como “homem”. Jó 38.36 traz o vocábulo sekwi, cujo significado é completamente disputado. E Pv 33.31 traz zarzir, palavra cujo significado é novamente disputado. Já a LXX traz nestes lugares (respectivamente) andra, poikiltiken e alektor. Além disso, a Vulgata de Tobias 8.11 traz circa pullorum cantum, literalmente “sobre o canto das galinhas”, uma parte da noite, “canto do galo”.[1]

Fitzmeyer ainda traz outro interessante comentário sobre este assunto, dizendo:


[...] de acordo com o Baba Qama 7.7 era proibido “criar galinhas em Jerusalém por causa das coisas santas”, e os sacerdotes estavam proibidos de criá-las em todo lugar na terra de Israel. [...] Ainda que o regulamento mishnaico não seja certamente válido antes do ano 70 em Jerusalém, a proibição pode ter tido força naquele tempo.[2]


E o erudito do Novo Testamento, William Barclay, também faz referência a esse canto do galo, acrescentando, aliás, alguns dados inusitados, os quais transcrevemos abaixo:


Pode bem ser que o canto do galo não fosse o canto de uma ave; e desde o começo não pretende significar isso. Acima de tudo, a casa do Sumo Sacerdote estava no centro de Jerusalém. E certamente não haveria um galinheiro no centro da cidade. De fato, havia uma regra na lei judia, segundo a qual era ilegal ter galos e galinhas na cidade santa, porque eles sujavam as coisas santas. Mas o período das três da madrugada foi chamado de canto do galo, e por essa razão. Naquela hora, a guarda romana era trocada no castelo de Antonia, e o sinal da mudança da guarda era um toque de trombeta. O termo latino para aquele toque de trombeta era gallicinium, que significa canto do galo. É possível que assim que Pedro fez sua terceira negativa, a trombeta da muralha do castelo ecoou sobre a adormecida cidade... e Pedro lembrou: e por causa disso ele derramou o seu coração.[3]


Ora, se quisermos entender melhor o porque dessa discussão entre o “canto do galo literal” e “canto do galo simbólico”, devemos nos reportar neste momento ao texto do evangelho de Marcos 13.35-37, o qual diz:


35Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o senhor da casa voltará: à tarde, à meia-noite, ao canto do galo, ou de manhã, 36para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo. 37E o que vos digo, digo a todos: vigiai!


Esse texto de Marcos lança uma boa luz sobre a questão em debate. Segundo ele, nós podemos verificar que os romanos dividiam os dias em períodos de três em três horas. E, no que se refere ao período noturno, tais períodos de três horas eram chamados de vigílias. Essas vigílias, por sua vez, demarcavam cada período de três horas, nos quais funcionava cada turno do serviço de guarda. A primeira vigília da noite começava às 18:00h e ia até às 21:00h; a segunda vigília começava às 21:00h e ia até à meia-noite; a terceira vigília começava à meia-noite e ia até às 3:00h da madrugada; e a quarta vigília ia das 3:00h da madrugada até às 6:00h horas da manhã.[4] Acontece, porém, que freqüentemente os judeus se expressavam de forma abreviada quando se referiam a essas vigílias da noite. Assim, quando encontramos no verso 35 a palavra “tarde”, esta era a expressão com a qual se referiam ao fim da primeira vigília, ou seja, 21:00h. “Meia-noite” indicava o fim da segunda vigília. “Canto do galo” era o termo usado por eles para o fim da terceira vigília, ou 3:00h da madrugada. E “de manhã” era o modo como se referiam ao fim da quarta vigília, ou 6:00h da manhã.[5]

Se essa teoria estiver correta, então quando Jesus diz em Marcos 14.30: “esta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás!”, ele estava fazendo menção ao período compreendido entre as 3:00h da madrugada e as 6:00h da manhã. Portanto, este “cantar do galo” não era uma referência à ave que pertence à família dos galináceos, mas sim uma alusão ao toque da trombeta, conhecido em latim como gallicinium. Aliás, a expressão grega fonesei, encontrada em Lc 22.34, que as nossas versões em português traduzem como “cantará” (Cf. ARC, BJ) ou “cante” (Cf. ARA, BLH, NVI), também pode ser traduzida como “ressoará”.[6] Então, se estivermos corretos em nossa interpretação, a tradução que proponho à passagem de Lc 22.34 “não ressoará hoje o galo”, é um latinismo[7] empregado pelo evangelista, o qual, por sua vez, foi extraído de Marcos, o mais antigo dos evangelhos que, em seu vocabulário, empregou vários termos provenientes da linguagem técnica militar.[8] O fato de Marcos ter escrito o seu evangelho muito provavelmente em Roma, de acordo com os testemunhos de Irineu e Clemente de Alexandria[9], explica porque ele estaria fazendo referência ao gallicinium (romano) ou à alektorophonia (equivalente grego) em seus escritos. De qualquer forma, uma pergunta fica no ar: no episódio da tripla negação de Pedro, um galo cantou ou uma trombeta ressoou?


Extraído parcialmente de: Trabalho Exegético Sobre a Passagem de Lc 22.31-34, pp.18-20, 2007. Autor: Carlos Augusto Vailatti.


[1] Joseph A. FITZMEYER. The Gospel According to Luke. The Anchor Bible. Vol.28A. New York. Doubleday, 1985, p.1427.

[2] Idem, ibidem. (Um comentário bem semelhante a este também pode ser encontrado em: John NOLLAND. Luke 18.35-24.53. Word Biblical Commentary. Vol. 35C. Dallas, Word Books, 1993, p.1073).

[3] William BARCLAY. The Gospel of Matthew. Vol.2. Philadelphia, The Westminster Press, 1975, pp.346,347.

[4] Charles R. SWINDOLL. Marcado para Morrer. São Paulo, Editora Naós, 2005, p. 49.

[5] R. C. H. LENSKI diz que “Plínio chama a quarta vigília de secundum gallicinium”, ou seja, segundo canto do galo. (Cf. R. C. H. LENSKI. The Interpretation of St. Luke’s Gospel. Minneapolis, Augsburg Publishing House, 1961, p.1066.

[6] Isidro PEREIRA. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1976, p.622.

[7] Latinismo é o nome dado a uma palavra, idioma ou construção gramatical derivada do latim. (Cf. Matthew S. DEMOSS. Op. Cit., p.106).

[8] Rafael Aguirre MONASTERIO e Antonio Rodríguez CARMONA. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos. São Paulo, Editora Ave-Maria, 2000, p.99.

[9] Idem, ibidem, pp.162,163.

sábado, 3 de janeiro de 2009

A Teologia no Brasil como Profissão

"(...) a teologia no Brasil passou a ganhar respeito acadêmico a partir do impacto da Teologia da Libertação, movimento intelectual que percorre toda a América Latina a partir dos anos 60 do século passado, estimulado principalmente pelas ditaduras militares que assolaram o Continente daquele período. Além da novidade do método, inusitado na teologia, surgem conceitos até então pouco ou nada usados na 'Ciência Divina', como esperança, libertação, pobres, excluídos, e outros que, no conjunto, apontavam para uma reviravolta antropológica na teologia (...)".

"O empirismo e o método que permitiram à teologia afastar-se da metafísica e da abstração, deram aos teólogos latino-americanos, por exemplo, a oportunidade de adentrar-se criticamente no universo de outras ciências, como a história, a economia e a política (...)".

"Embora seja difícil acreditar, a teologia, a nobre ciência que deu origem aos centros de saber conhecidos por universidade, sendo ela mesma o ponto de partida do conhecimento, foi no Brasil desprezada até trinta anos atrás (...). Contudo, cursos de pós-graduação em teologia fora do sistema universitário, isto é, em instituições isoladas de ensino, não obtinham registro por parte das universidades credenciadas para isso, de diplomas que não estivessem sustentados por qualquer outro curso reconhecido. Quer dizer, o portador de diploma que, além do curso de graduação em teologia não possuísse outro qualquer reconhecido, não obteria o necessário registro (...)".

"(...) os seminários nunca ultrapassaram os limites da formação técnico-profissional de seu corpo funcional. Assim, até o momento específico (...), a teologia, no seu sentido mais amplo, permaneceu abstrata e distanciada da realidade histórica. Restrita à sua função clerical, não era uma profissão, um campo de atividade humana socialmente reconhecido".

"Mesmo o protestantismo que, ao chegar ao Brasil no século 19 com seu grande projeto educacional civilizatório e pragmático, intentou inserir a teologia como um dos cursos superiores em suas escolas e com certa independência eclesiástica, encontrou resistência e não foi adiante. Essa resistência tem sido explicada pela idéia de que os futuros teólogos-pastores não deviam contaminar-se com a presença de descrentes. Então, a teologia protestante fechou-se na domesticidade das igrejas. Voltou-se para dentro de si mesma, indiferente ao que acontecia no mundo. Nas ebulições sócio-políticas ocorridas, por exemplo, em meados do século passado, os que entenderam ser necessário pensar teologicamente a realidade nova, perderam espaço em suas igrejas".

"O Parecer 063, de fevereiro de 2004, do CNE/CES, completando decisões anteriores das autoridades educacionais, regulamentou o reconhecimento de cursos de teologia e a validação de créditos cursados em seminários maiores, assim como a pós-graduação em teologia e ciências da religião(...)".

"Outra questão que poderá ser encaminhada na direção da completa emancipação da teologia em nosso sistema de pós-graduação é a da, até agora, complicada relação dela com as ciências da religião. Reconhecida como área de conhecimento autônoma e com validez legal, a teologia não mais necessita do apoio das ciências da religião. A proposta seria a seguinte: a pós-graduação em teologia ficaria naturalmente vinculada aos cursos de teologia e as ciências da religião emigrariam para outras áreas, como as ciências da cultura (...).

"(...) a teologia, agora como ramo de saber autônomo e oficialmente reconhecido, além do exercício estritamente religioso-eclesiástico, abre as portas para profissões que exigem curso superior como ponto de partida, bem como para a pós-graduação em qualquer área (...)".

Texto extraído parcialmente do livro: Teologia: Ciência e Profissão, pp.7-11. Autor: Antônio Gouvêa Mendonça (professor pleno associado da Universidade Presbiteriana Mackenzie).