terça-feira, 30 de abril de 2013

O LADO "FEMININO" DE DEUS

por Carlos Augusto Vailatti 
 
Uma das mais belas palavras da Bíblia é a palavra "misericórdia". Essa palavra, em hebraico, é derivada do substantivo rahamim, "misericórdia, compaixão". Acontece que a palavra rahamim é derivada de outra palavra, réhem, que significa "útero". E a palavra réhem, por sua vez, vem de uma raiz hebraica que significa "proteger do perigo". Então, quando a Bíblia fala sobre a "misericórdia" divina (por exemplo, em: Gn 43:14; Êx 33:19; Dt 13:17; 1 Rs 8:50; Jr 42:12 etc), ela está retratando a Deus como se Ele fosse uma mulher! É isso mesmo! Assim como uma mulher, quando está grávida, age com compaixão e amor para com o seu filho e o protege de todos os perigos externos através do maravilhoso abrigo do seu útero, da mesma forma a Bíblia emprega essa linguagem uterina-feminina-maternal para descrever o sentimento de misericórdia e de verdadeiro amor que Deus tem por cada um de nós, seres humanos. Sendo assim, embora Deus seja um Ser espiritual e, portanto, assexuado (João 4:24), contudo, não há como não ficar maravilhado diante desse Seu magnífico "lado feminino"! Belíssima metáfora essa, não?!

LÚCIFER, OS CRISTÃOS E... O QUE EU TENHO A VER COM ISSO?

por Carlos Augusto Vailatti

Até o século IV da nossa era, o nome latino "Lúcifer" (do latim, Luciferus, de "lux, lucis", "luz" + "fero", de "ferre", "trazer", ou seja, "aquele que traz a luz" / "portador de luz") gozava de boa reputação. Aliás, havia até um bispo cristão chamado "São Lúcifer", cujos seguidores eram conhecidos como "luciferianos"! Porém, após Orígenes (III Século d.C.) ter identificado Lúcifer com Satanás (em sua interpretação de Isaías 14:12), o nome "Lúcifer" acabou perdendo prestígio e passou a ser associado desde então com o mal.

Temo que o mesmo possa estar ocorrendo com o termo "cristão" nos dias atuais. Hoje, o nome "cristão" (do grego, christianós, "aquele que pertence a Cristo" / "aquele que segue a Cristo") não tem sido condizente com o comportamento de muitos que se dizem "seguidores de Cristo". Em nossos dias, o comportamento mercenário de muitos "pastores", a visão mercantilista de muitas "igrejas", a indústria da fé fomentada por muitos "líderes", a filosofia de vida utilitarista pregada muitos "crentes" e a adesão cega aos valores do mundo por parte de muitos "fiéis", dentre outros, têm descaracterizado a face da verdadeira Igreja de Cristo e, por conseguinte, têm ameaçado grandemente a continuidade da existência desse título (bem como, da própria Igreja!) do qual tanto nos orgulhamos, isto é, o título de "cristãos".

Na Europa e em várias outras partes do mundo, devido à baixíssima influência exercida pela Igreja em seu meio, já se fala há algum tempo de uma sociedade "pós-cristã", isto é, uma sociedade que já não sente mais o mesmo impacto do cristianismo como sentiu outrora, no passado. Esse cristianismo caricato e, portanto, absolutamente irrelevante, vivido por muitos, tem sido o verdadeiro responsável por ameaçar não apenas a sobrevivência do nome "cristão", mas também dos próprios portadores desse nome.

Hoje, o nome "Lúcifer", apesar de seu belíssimo significado e de sua questionada associação com Satanás, foi identificado de forma irreversível com o mal. E o responsável por essa identificação foi um cristão, Orígenes. Se continuarmos a viver esse tipo de "cristianismo descristianizado" ou, se preferir, esse "cristianismo sem Cristo", temo que em breve, nós, cristãos, também seremos responsáveis por estarmos classificados junto com os dinossauros como mais uma espécie que já está em extinção. O que está em jogo, é muito mais do que uma mera ameaça de uma possível mutação semântica. Na verdade, é a nossa própria sobrevivência que está em jogo.

ISAÍAS E O RELATIVISMO MORAL DE SUA ÉPOCA

por Carlos Augusto Vailatti 
 
"Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal! Que fazem da escuridade luz, e da luz, escuridade, e fazem do amargo doce, e do doce, amargo!" (Isaías 5:20).

Isaías, um antigo profeta (mas não um "profeta antigo") que viveu muito à frente de seu tempo, já protestava no VII Século a.C. (portanto, há cerca de 2700 anos!) contra o relativismo moral presente em sua época. Isaías criticou severamente aqueles que invertiam os valores morais da sociedade de seu tempo e que, portanto, contribuíam na promoção de uma conduta confusa e desorientada por parte do público comum. Parece que ele estava descrevendo os nossos dias ao fazer tal protesto. Que sujeito visionário! Que precocidade profética! 

Hoje, vivemos em uma sociedade plural que está situada em uma emaranhada e complexa cadeia de pensamentos, ideologias, filosofias e religiões. Respeitar toda a forma de "diversidade" e de "pluralismo" é a palavra de ordem do momento. Essa é a agenda do "politicamente correto". Contudo, toda essa pluralidade social, cultural, lingüística, filosófica, ideológica, teológica etc experimentada por nós, pode nos induzir facilmente ao erro, fazendo-nos pensar, quer estejamos conscientes disso ou não, que não há uma fronteira nítida entre o certo e o errado, entre o honesto e o desonesto e entre o bem e o mal. Esse tipo de pensamento pode nos conduzir a um relativismo ideológico e a uma "política de boa vizinhança forçada" que pode favorecer o florescimento de pensamentos, tais como, o já desgastado e equivocado: "o que é verdade pra você pode não ser verdade pra mim". Ou seja, a verdade acaba sendo relativizada. Sendo assim, todo mundo está certo! E, Logo, se todos estão certos, então não podemos discordar da opinião dos outros sob o risco de sermos tachados de intolerantes, preconceituosos, fundamentalistas, além de recebermos tantos outros rótulos semelhantes a estes ou piores.

Em nossos dias, em nome do "respeito às idéias alheias" (mesmo que estas sejam absurdas!), somos forçados a não emitir a nossa própria opinião sobre um determinado assunto (mesmo que isso implique sacrificar a verdade!), já que cada um tem o direito de ter e expressar a "sua" verdade e, desse modo, somos incentivados a viver com "a síndrome dos três macaquinhos": não vimos nada, não ouvimos nada e também não falamos nada.

Hoje, vivemos numa verdadeira guerra ideológica, onde a sociedade criou novos vocábulos e eufemismos, na tentativa de redefinir e requalificar antigas práticas bastante conhecidas, tentando assim torná-las mais aceitáveis ou palatáveis diante da opinião pública. Hoje, as "prostitutas" se tornaram "garotas de programa" ou "profissionais do sexo", a "pornografia" virou "nudez artística", a "promiscuidade" se transformou em "amizade colorida" e o "homossexualismo" virou "homoafetividade", entre outros. Por outro lado, o "pecado" se transformou há muito tempo em "bobagem", em "coisa de gente atrasada", ou em "assunto de gente ignorante". Essa linguagem sutil, repleta de eufemismos e, portanto, recheada de "armadilhas verbais", foi implacavelmente combatida por Isaías. Ele disse: "Ai daqueles que pervertem os valores morais, atribuindo a uma coisa o seu sentido contrário ou não correspondente!".

Que Deus nos ajude a nos posicionarmos de forma crítica (sem nos tornarmos intolerantes, preconceituosos e desumanos, é claro!) diante de todas as informações que chegarem ao nosso conhecimento. Além disso, que Deus nos ajude, acima de tudo, a entendermos que há absolutos morais e éticos dos quais jamais conseguiremos fugir e os quais não devem ser relativizados em hipótese alguma. Por isso, a advertência feita pelo profeta Isaías em um passado distante tem ecoado ainda no tempo presente e é tão verdadeira e válida para os dias hoje tal como o fora nos séculos passados.

PECAR É "DAR MANCADAS COM DEUS"


por Carlos Augusto Vailatti
 
Quando falo sobre o pecado, gosto de definí-lo a partir da sua raiz etimológica latina. Sabe-se que o verbo português "pecar" é derivado do latim "peccare", que, em seu uso primitivo, significava: "fazer passo em falso, perder o pé, e, portanto, cair, falando-se dos cavalos e outras montarias; depois, figuradamente, o verbo veio a fazer referência ao mau passo moral, errar, cometer falhas". Essa palavra tem ligação com a palavra latina "pecus", que significa: "pé defeituoso, pé incapaz de percorrer o caminho". Em outras palavras, "pecar" é "coxear, manquejar, capengar". Por isso, a partir dessas informações linguísticas, gosto de definir "pecado" como "o ato de dar mancadas com Deus". Dito de outra maneira, quando pecamos estamos dando um "passo em falso" em nossa relação com o Senhor.

 Esses dados talvez nos ajudem a entender algumas afirmações feitas pelo salmista em vários Salmos, tais como:

 "Tirou-me de um lago horrível, de um charco de lodo; pôs os meus pés sobre uma rocha, firmou os meus passos" (Salmo 40:2);

"pois tu livraste a minha alma da morte, como também os meus pés de tropeçarem, para que eu ande diante de Deus na luz dos viventes" (Salmo 56:13);

"Bendizei, povos, ao nosso Deus e fazei ouvir a voz do seu louvor; ao que sustenta com vida a nossa alma e não consente que resvalem os nossos pés" (Salmo 66:8-9);

 "Quanto a mim, os meus pés quase que se desviaram; pouco faltou para que escorregassem os meus passos" (Salmo 73:2);

"Porque tu, Senhor, livraste a minha alma da morte, os meus olhos das lágrimas e os meus pés da queda" (Salmo 116:8);

"Lâmpada para os meus pés é tua palavra e luz, para o meu caminho" (Salmo 119:105).

Ora, Àquele que é Poderoso para guardar os nossos passos e para nos impedir de "dar mancadas com Ele" sejam o Louvor e a Glória para sempre!

A PÁSCOA: ORIGEM E SIGNIFICADO

por Carlos Augusto Vailatti

A verdadeira páscoa, em sua origem, não tem nada a ver com coelhos ou ovos de chocolate, por mais deliciosos que sejam estes últimos. Estes elementos foram introduzidos somente posteriormente na páscoa cristã que, aos poucos, acabou sendo grandemente influenciada por pensamentos e símbolos do paganismo.

No que diz respeito ao coelho, este animal sempre foi visto como símbolo de fertilidade, nascimento e nova vida desde o Antigo Egito. Então, com o passar do tempo, um evento diretamente relacionado à páscoa cristã, isto é, a ressurreição de Jesus, foi associado com o símbolo do coelho, devido à sua conhecida capacidade de gerar novas crias. Esta "nova vida" gerada pelos coelhos acabou se identificando com a "vida nova" obtida por Cristo em Sua ressurreição. 

Quanto ao ovo, este também era visto como símbolo de nascimento e ressurreição. Aliás, conta-nos a lenda que Simão, o cireneu, quem ajudou Jesus a carregar a Sua cruz até o Calvário (Mateus 27:32; Marcos 15:21; Lucas 23:26), era vendedor de ovos. E estes ovos, ainda segundo a lenda, teriam se tornado milagrosamente coloridos após a crucificação de Jesus. Essa lenda, acredita-se, teria dado ensejo ao surgimento dos "ovos pintados" e, posteriormente, aos "ovos de chocolate", sendo estes últimos imprescindíveis para o sucesso de vendas do comércio no mundo ocidental.

Apesar do significado lendário e capitalista da páscoa estar bem arraigado em nossa sociedade, urge relembrar, de igual modo, o significado verdadeiro da páscoa. No Antigo Testamento, a palavra "páscoa" vem do hebraico "pêssach" e significa "passar sobre" ou "passar por cima". O termo vem da raiz hebraica p(pê)-s(samekh)-ch(chêt), cujo sentido básico é "pular" ou "andar de forma irregular". A páscoa é uma das três festas de peregrinação judaica (as outras duas festas são "shavuot", literalmente "semanas" ou "pentecostes"; e "sukot", "tabernáculos"), festa essa que possui caráter eminentemente libertador, pois comemora a libertação dos escravos israelitas do regime escravocrata egípcio, retratado no livro de Êxodo. O nome da festa, "pêssach", teve origem na última das chamadas "Dez Pragas", a da "Morte dos Primogênitos", quando todos os primogênitos dos egípcios foram mortos pelo "Destruidor", em hebraico, "mashchit" (Êxodo 12:23), ao mesmo tempo em que Deus "passou sobre" ou "pulou" as casas dos israelitas, poupando-lhes a vida de seus primogênitos (Êxodo 12:27), pois haviam pintado os umbrais de suas portas com o sangue do cordeiro, animal este considerado sagrado no Egito.

Já no Novo Testamento, a páscoa e o seu significado foram redimensionados e reinterpretados à luz da ótica e fé cristãs. Como Jesus morreu, segundo os Evangelhos, no mesmo dia em que os judeus sacrificavam um cordeiro a fim de comemorar a libertação da escravidão egípcia, ou seja, a "páscoa judaica" (cf. Mateus 26:2; João 19:14-18 etc), logo, Jesus acabou sendo interpretado como "o cordeiro pascal cristão". Paulo, aliás, disse: "porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós" (1 Coríntios 5:7).

Desse modo, a páscoa cristã tanto significa "a libertação dos pecados" para todo aquele que crê em Jesus como "o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (João 1:29, 35-36), como também demonstra o imensurável amor de Deus pela humanidade, ao entregar o Seu Filho, Jesus, para morrer em seu lugar (João 3:16).

Em uma época tão secularizada como a nossa, na qual os valores cristãos são muitas vezes ignorados, esquecidos, confundidos, deturpados, mal interpretados e até mesmo atacados, urge trazer à memória o real significado da páscoa judaico-cristã. A páscoa nos fala sobre um Deus extremamente amoroso que, por um lado, não se portou com indiferença diante do sofrimento do Seu povo no Egito, de modo que o libertou; e, por outro lado, não agiu de forma insensível diante de uma humanidade pecadora, provendo-lhe "o Cordeiro Pascal", Jesus, como Libertador de sua escravidão ao pecado.

Embora, em nossos dias, seja quase impossível efetuar a "descoelhização" e a "deschocolatização" do imaginário popular quanto à "páscoa", todavia, sempre é possível resgatar o verdadeiro sentido da Páscoa cristã, o qual foi muito bem resumido por Pedro: "Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que, por tradição, recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, o qual, na verdade, em outro tempo, foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado, nestes últimos tempos, por amor de vós; e por ele credes em Deus, que o ressuscitou dos mortos e lhe deu glória, para que a vossa fé e esperança estivessem em Deus". (1 Pedro 1:18-21).

HUMILDADE: UM VALOR EM FALTA EM NOSSOS DIAS

por Carlos Augusto Vailatti*
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O progresso do conhecimento científico ao longo da história tem sido acompanhado por resultados tanto positivos quanto negativos. Se, por um lado, os avanços da ciência contribuíram significativamente e inquestionavelmente para a melhor qualidade de vida dos seres humanos em geral, por outro lado, o desenvolvimento científico e tecnológico também colaborou para a diminuição da busca do homem pelo sagrado (hoje, em comparação com o passado, o homem recorre mais à ciência do que a Deus para resolver os seus múltiplos problemas da vida) e, ao mesmo tempo, ajudou a sacralizar a ciência e os seus iniciados. Desse modo, o Século 18 viu a ciência como uma nova fonte de transcendência, o Século 19 a apontou como uma nova religião humanística e, por fim, o Século 20 a promoveu ao status de uma nova religião.[i] Apesar da importância da ciência por motivos óbvios, não se pode negar que toda essa atenção demasiada devotada a ela em nossos dias também demonstra a audácia escancarada e o espírito arrogante do homem ao louvar a si mesmo por meio de suas conquistas tecnocientíficas. Tal antropocentrismo é deveras perigoso, pois coloca no centro das atenções a frágil criatura e não o Onipotente Criador.

E por falar em ciência, já faz algum tempo que esta defende a origem estelar do ser humano, inflando ainda mais o seu ego, ao dizer, por exemplo, que “todos nós, todas as criaturas do passado, presente e futuro vieram do pó das estrelas”.[ii] Como se isso não bastasse, na Grécia Antiga, Sócrates disse que a palavra grega anthropos, “homem”, significava ‟aquele que ergue os olhos para aquilo que vê”, referindo-se à postura ereta única do ser humano.[iii] Contudo, essa postura ‟ereta” acompanhada do ato de ‟erguer os olhos” pode facilmente nos trazer à memória a imagem de alguém que olha para o outro ‟de cima para baixo” ou de forma ‟altiva”, ainda que este sentido não seja pretendido pela definição socrática. Seja como for, prefiro me voltar para o hebraico e para o latim quando penso sobre o ser humano. A palavra hebraica para “homem” (’adam) é oriunda de ’adamâ, ‟terra, solo, chão”. Essa semelhança entre os vocábulos não é casual, mas intencional, uma vez que Deus criou o ‟homem” (’adam) a partir da matéria prima, a ‟terra” (’adamâ) (Gênesis 2:7). Além disso, a palavra latina para “homem” (homo) é derivada de humus, ‟terra” e, por isso, traz consigo a ideia de que o homem é um ‟ser terreno” ou ‟nascido da terra”.[iv] Aliás, o termo latino humilitas, ‟humildade, baixeza”, aponta para o fato de que ‟a humildade é coisa apegada ao humus, chão”.[v] Bem, depois de toda essa introdução etimológica, creio que este seja um bom momento para refletirmos, mesmo que brevemente, sobre o papel e a condição do homem diante do universo.

Acredito que os seguintes dados, longe de reduzirem o ser humano a um mero amontoado de elementos químicos, nos serão úteis a fim de conscientizar-nos sobre a nossa natureza efêmera. Em linhas gerais, a composição química do corpo de um ser humano possui os seguintes elementos químicos, acompanhados de seus respectivos percentuais: Oxigênio (65%), Carbono (18,5%), Hidrogênio (9,5%), Nitrogênio (3,3%), Fósforo (1%), Cálcio (0,5%), Potássio (0,4%), Enxofre (0,3%), Cloro (0,2%), Sódio (0,2%), Magnésio (0,1%), Ferro (0,004%), Iodo (0,00004%) e traços de Silicone, Flúor, Cobre, Manganês, Zinco, Selênio, Cobalto, Molibdênio e Boro.[vi] Creio que cabe lembrar aqui que essas mesmas substâncias também são encontradas na terra, lugar este de onde todos nós viemos e para onde um dia inexoravelmente voltaremos.

Entretanto, caso esses dados ainda não sejam suficientemente convincentes para fazer-nos descer do pináculo da nossa arrogância e do cume da nossa altivez antropocêntrica, penso que as informações a seguir também possam nos ajudar a fazê-lo. Creio que uma pessoa deveria pensar sempre mil vezes antes de dizer a alguém: ‟Por um acaso, você sabe com quem está falando?”. Gostaria de convidar aos ilustres formuladores dessa pergunta à seguinte reflexão. Você é apenas um entre mais de 7 bilhões de pessoas, as quais representam uma única espécie, a humana, que, por sua vez, é somente uma espécie entre as cerca de 3 milhões de espécies de seres vivos catalogados (entre aproximadamente 30 milhões de espécies de seres vivos que devem existir ao todo!), espécie humana esta que vive em um planeta, chamado Terra, o qual gira em torno de uma estrela, o Sol, que, por sua vez, é apenas uma das cerca de 100 bilhões de estrelas que compõem a nossa galáxia, a Via Láctea, a qual é tão-somente uma das 200 bilhões de galáxias existentes no Universo.[vii] Em outras palavras, quando contemplamos a grandiosidade dos céus, da lua e das estrelas, por exemplo, devemos compreender o quão pequeno somos diante desse imenso universo (Salmo 8:3-4). Se nós, humanos, somos a ‟coroa da criação”, por um lado, devemos nos lembrar, por outro, que somos igualmente ‟pó e cinza” (Gênesis 18:27; Salmo 103:14). Sim, eu sei muito bem com ‟quem” estou falando.

Nesse ponto, é importante definirmos o que queremos dizer aqui com o termo ‟humildade”, o qual encabeça o título do presente artigo. Defino ‟humildade”, ainda que de forma subjetiva, como ‟a qualidade de ser dependente de Deus e de mostrar respeito para com as outras pessoas”. [viii] Por que escolhi essa definição? Porque quando proclamamos a nossa independência de Deus e a nossa superioridade em relação ao nosso semelhante, agimos de forma arrogante e prepotente, comportamento este não condizente com a nossa frágil, efêmera e passageira condição humana. Jamais poderei me esquecer de que ‟os meus dias são mais velozes do que a lançadeira do tecelão” (Jó 7:6), que os meus anos de vida são como um ‟conto ligeiro” (Salmo 90:9) e que todo ser humano é como ‟a erva”, cuja formosura é como a beleza das ‟flores do campo”. Aliás, Isaías é incisivo ao nos advertir que ‟seca-se a erva e caem as flores, soprando nelas o hálito do Senhor”. Em seguida, o profeta nos explica essa dura linguagem figurada, dizendo: ‟Na verdade, o povo é erva” (Isaías 40:6-7).    
      
O fato é que vivemos numa cultura arrogantemente antropocêntrica, mas o ritmo frenético e agitado da vida que levamos embaça o nosso discernimento e embota a nossa consciência, impedindo-nos de enxergar o óbvio.  Somos presunçosos, quando planejamos nossas viagens a negócios para um futuro (incerto!) e quando chegamos até mesmo a calcular o suposto lucro que obteremos em nossas transações comerciais  (Tiago 4:13-16). Somos estupidamente arrogantes, quando destruímos o nosso planeta e o nosso meio ambiente, como se fôssemos os seus únicos inquilinos, em vez de zelarmos por ele e pela sua biodiversidade como usuários compartilhantes (Gênesis 1:26-30). Somos soberbos, quando pretendemos prever com exatidão o clima e a temperatura dos próximos dias ou semanas, previsão esta que, muitas vezes, se mostra equivocada (Lucas 12:54-56). Somos miseravelmente orgulhosos, quando tratamos o nosso próximo com desprezo e aspereza, em vez de tratá-lo com amor e respeito (Romanos 13:8; Tiago 3:13). Somos altivos, quando nos achamos mais santos ou mais espirituais do que os outros (Isaías 65:5; Lucas 18:9-14). Somos prepotentes, quando imaginamos que sabemos alguma coisa (1 Coríntios 8:2). Somos arrogantes, quando queremos prever o imprevisível dia de amanhã (Tiago 4:14a). Enfim, agimos com grande altivez, quando proclamamos a nossa independência de Deus e de Cristo (Salmo 14:1; 53:1; João 15:5). 

Em suma, diante de um mundo orgulhoso, soberbo e arrogante como o nosso, urge trazermos sempre à nossa memória esses três importantes elementos: a infinita grandeza de Deus, a diminuta e efêmera existência humana e o estado de co-igualdade com o nosso semelhante. Uma vez que conhecemos tanto a nossa origem quanto o nosso destino, isto é, o ‟pó da terra” (Gênesis 3:19), o lema da nossa vida deveria ser sempre esse: ‟Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória!” (Salmo 115:1), tendo plena consciência de que ‟Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tiago 4:6).

[Este texto foi publicado originalmente no site do Seminário Teológico Evangélico do Betel Brasileiro: http://betelbrasileiro.web921.uni5.net/online/geral/artigos/humildade-um-valor-em-falta-em-nossos-dias].


*Doutorando em Estudos Judaicos e Árabes, com concentração em Estudos Judaicos, pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de diversas disciplinas teológicas no Betel Brasileiro. 
[i] HERRICK, James A. The Making of the New Spirituality: The Eclipse of the Western Religious Tradition. Downers Grove, InterVarsity Press, 2003, p.98.
[ii] MAQUIRE, Daniel C. Sacred Energies: When the World’s Religions Sit Down to Talk About the Future of Human Life and the Plight of This Planet. Minneapolis, Augsburg Fortress, 2000, p.82.
[iii] Do grego ho anathron ha opopen. Cf. Platão. Cratylus: A Dialogue. [Trad.]. Benjamin Jowett. Rockville, Wildside Press LLC, 2010, p.86. Veja ainda: EVERSON, Stephen. [Ed.]. Language. Cambridge, Cambridge University Press, 1994, p.168.
[iv] ROBERTSON, John G. [Ed.]. Robertson's Words For a Modern Age: A Cross Reference of Latin and Greek Combining Elements. Brunswick, Senior Scribe Publications, 1991,  p.70.
[v] SILVA, Deonísio da. De Onde Vêm as Palavras: Frases e Curiosidades da Língua Portuguesa. São Paulo, Mandarim, 1997, p.143.
[vi] STOCKSLAGER, Jaime L., CHELI, Raphe & HAWORTH, Kevin. [Eds.]. Anatomy and Physiology. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2002, p.18.
[vii] Adaptado de: CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a Tua Obra? Inquietações Propositivas Sobre Gestão, Liderança e Ética. Petrópolis, Vozes, 2011, pp.23-27.
[viii] FREEDMAN, David Noel & MYERS, Allen C. [Eds.]. Eerdmans Dictionary of the Bible. Amsterdam, Amsterdam University Press, 2000, p.617.

IGREJA: LUGAR DE GENTE ENGRAÇADA

por Carlos Augusto Vailatti

Se há um lugar onde existem pessoas engraçadas, este lugar é a Igreja. Porém, muita calma nessa hora. Quando digo que crentes são pessoas "engraçadas", não estou querendo dizer com isso que são pessoas "divertidas" ou "brincalhonas" (embora muitos o sejam e não haja nada de errado nisso!). Antes, estou me referindo ao termo "engraçado" em sentido teológico como "aquele que possui a graça dentro de si" (do afixo "en", "para dentro" + "graça", "favor " + sufixo nominal "ado", que indica "posse"). Sim, a Igreja está repleta de pessoas "engraçadas" - na acepção teológica do termo - pois tais pessoas: a) adoram a Jesus, o doador da graça (Jo 1:17), b) são salvas pela graça (Ef 2:5,8-9), c) crescem na graça (1 Pd 3:18), d) testemunham o Evangelho da graça (At 20:24), e) recebem os dons espirituais pela graça (Rm 12:6) e, por fim, f) vivem debaixo da graça (Rm 6:14). Ora, se isso não é ser "engraçado", então o que é?

PRESCIÊNCIA X LIVRE-ARBÍTRIO

por Carlos Augusto Vailatti

O Rabi Akiva (I/II Séc. d.C.) disse: "Tudo está previsto [por Deus], mas foi dado [ao homem] o livre-arbítrio" (em hebraico, "hakol tsafuy, weharshut netunâ"). Akiva, talvez sem o saber, tocou num dos assuntos mais paradoxais da teologia cristã (e da teologia judaica também, é claro!), a saber: a onisciência ou presciência divina versus o livre-arbítrio humano.

Normalmente, somos tentados a pensar que se Deus já sabia ontem que nós pecaríamos hoje, então nós não poderíamos ter outra escolha, a não ser pecar. Ou seja, nossas ações já estariam predestinadas. Porém, o paradoxo teológico proposto por Akiva (há aproximadamente 1300 anos antes de João Calvino e Jacó Armínio surgirem) nos diz que Deus já sabe qual será a nossa escolha, mas, ainda assim, por mais absurdo que isso possa parecer, nós ainda temos total liberdade em nossa escolha.

O que Akiva está dizendo é que o conhecimento divino antecipado do futuro, por si só, não interfere em nossas ações. Em outras palavras, como Deus é eterno e, portanto, todas as coisas existem diante dEle numa espécie de "eterno presente", logo, Deus conhece o futuro não porque Ele determina certas forças que controlam e determinam a escolha, mas porque, para Ele, o acontecimento ainda futuro da escolha que iremos fazer já está acontecendo (perante Ele) durante o Seu " eterno presente ", agora mesmo.

Seria Akiva um defensor de um tipo de pré-arminianismo judaico? Em hipótese alguma! Teria Armínio sorvido suas ideias de Akiva? Pouco provável. De qualquer modo, independentemente da corrente teológica que adotarmos, uma coisa é certa: "a dialética entre o Calvinismo e o Arminianismo está determinada a acontecer ad infinitum na Teologia. Porém, você continua sendo totalmente livre para entrar ou não no debate".

JESUS: UM EXCLUÍDO DA IGREJA

por Carlos Augusto Vailatti

Em Apocalipse 3:20, Jesus, do lado de fora da igreja de Laodicéia, se dirige a ela dizendo: "Eis que estou à porta e bato (...)". É curioso observar que o verbo "bater" (gr. kroúo) aparece aqui no presente do indicativo ativo. Isso indica um "bater contínuo, repetido". Em outras palavras, podemos traduzir essa frase como: "Eis que estou junto à porta e continuo batendo [nela]". Apesar da igreja de Laodicéia ter colocado Jesus pra fora (de sua pregação, de seu louvor, de sua adoração... enfim, de seu culto e de sua liturgia), ainda assim Jesus insistia em querer entrar. Como é maravilhoso saber que Jesus não abandonou a igreja que o havia abandonado! Como é confortante saber que Jesus não virou as costas para a igreja que virou as costas pra Ele! Como é fantástico saber que Jesus não excluiu a igreja que o havia submetido a exclusão! Jesus insistiu e ainda insiste em querer entrar naquelas igrejas que, por uma razão ou outra, acabaram colocando pra fora a pessoa errada, o próprio Senhor e Dono da Igreja! "Toc...Toc...Toc...", esta é a mais bela, harmônica, melodiosa e apaixonada serenata que o Noivo excluído, Jesus, compôs para a Noiva que dEle se esqueceu. Aliás, esta continua sendo a trilha sonora que uma igreja cristã sem Cristo precisa ouvir nos dias de hoje, "Toc...Toc...Toc...". Jesus insiste em bater...Será que também insistiremos em não atendê-lo e em não convidá-lo a entrar?

MATAR EM NOME DE DEUS: UMA FORMA DE "ADORAR" A DEUS?!

por Carlos Augusto Vailatti

"(...) vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus". (João 16:2). Nesse texto, Jesus estava preparando os seus discípulos para os momentos de perseguições e até mesmo de morte que muitos deles enfrentariam após a Sua partida deste mundo em direção ao Pai. Mas, o que realmente choca nesse texto, é o fato de Jesus dizer que "os futuros assassinos dos discípulos pensavam erroneamente que, ao matá-los, estariam prestando um 'serviço' (do grego, latreía, 'adoração') a Deus!". Como pode isso? Assassinar "em nome de Deus" é uma forma de adorar/servir a Deus?! E desde quando Deus nos concedeu uma procuração com poderes para matar em Seu nome? Que modo mais contraditório de adorar a Deus! Que lógica mais funesta e absurda!

Porém, essa "forma estranha de adoração" tem estado mais presente em nossa história do que poderíamos imaginar. Durante os séculos XI-XIII, o fanatismo cristão promoveu as cruzadas, incursões militares que provocaram a morte de milhares de pessoas, entre muçulmanos, judeus e até mesmo cristãos. Por volta de 1500, no México, os astecas sacrificaram milhares de pessoas aos deuses, pois acreditavam que o sol desapareceria se corações não fossem arrancados dos peitos das vítimas e não fossem oferecidos às divindades. Nos Séculos XIII, XIV, XVI e até quase meados do Século XIX, a Inquisição identificou, puniu e até mesmo assassinou milhares de pessoas sob o pretexto de que eram hereges infratores que não aderiram à sua fé "ortodoxa". Na década de 1980, a teocracia xiita no Irã matou cerca de 200 fiéis da Religião Baha'í por não se converterem ao Islamismo. Ao longo da segunda metade do Século XX, cerca de 3 mil pessoas morreram na Irlanda do Norte como resultado de aproximadamente vinte anos de conflitos religiosos entre católicos e protestantes naquele país. Em nossos dias, vários atos de violência, assim como, assassinatos cometidos contra cristãos, foram executados por muçulmanos extremistas em países tais como Nigéria, Sudão e Indonésia. E estes são apenas alguns exemplos.

Ora, mas quem é o culpado por tais atrocidades? Deus? De forma alguma! Como já disse, Deus não assinou nenhuma procuração autorizando-nos a fazer barbaridades em Seu nome. Então, as religiões são as responsáveis? Claro que não! As religiões em si mesmas são boas e sempre visam, de algum modo, o bem-estar do ser humano. O grande problema são os fundamentalistas, extremistas e fanáticos onipresentes em muitas religiões, os quais, ao se misturarem com as pessoas de bem, acabam se tornando "invisíveis". Tais pessoas se escudam atrás dos legítimos fiéis e, ao agirem assim, praticam atrocidades em nome Deus, ao mesmo tempo em que mancham a reputação daqueles que buscam servi-lo de forma digna e correta dentro de seu sistema de crenças.

"Adorar a Deus" não tem nada a ver com a imposição humana da nossa fé "goela abaixo" na vida das pessoas e, muito menos ainda, tem relação com infligir perseguições e matanças contra aqueles que simplesmente resolveram pensar de forma diferente de nós. "Adorar a Deus" tem a ver com amar aqueles a quem o próprio Deus ama, incondicionalmente. Afinal de contas, antes de Jesus descrever essa "forma estranha de adoração" em João 16:2, ele já havia ensinado a forma correta de adorar a Deus alguns versículos antes, quando disse aos seus discípulos: "O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei" (João 15:12).

DEUS E O FACEBOOK

por Carlos Augusto Vailatti

Se Deus tivesse uma página no Facebook e se você lhe enviasse um pedido de amizade, será que Ele confirmaria a sua solicitação de amizade? ("Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando" > João 15:14). Será que Ele curtiria os seus pensamentos e o seu modo de viver? ("Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor" > Isaías 55:8). De qualquer modo, creio que ainda há tempo para "adicionarmos" a Deus como o nosso "amigo" real (e não, "virtual"), a fim de que Ele possa "compartilhar" conosco algo infinitamente mais importante do que fotos ou pensamentos, isto é, o Seu infinito amor pela humanidade e a Sua maravilhosa Salvação em Cristo.

[Linha do Tempo]: Existe desde a eternidade passada, até a eternidade presente e futura. (Salmo 90:2).

[Registro de Atividades]: Desde que criou o mundo, continua a mantê-lo, a governá-lo e a abençoá-lo com o Seu poder e com a Sua graça. (Salmo 89:11; 119:91)

[Mora em]: Todo o lugar ao mesmo tempo, pois é Onipresente (Jeremias 23:23-24) e também na vida daqueles que o amam e guardam a Sua Palavra. (João 14:23)

[Livros]: A Bíblia. (Hebreus 4:12)

[Músicas]: Os Salmos.

[Atividade Recente]: Continua a chamar os pecadores ao arrependimento, uma vez que não sente prazer na morte do ímpio. (Ezequiel 18:23)

[Compartilhou]: O Seu amor por toda a humanidade, ao oferecer o Seu Único Filho, Jesus, na cruz, pelos nossos pecados. (João 3:16)

[Está disponível para o Bate-Papo]: A todo aquele que quiser se dirigir a Ele em oração agora mesmo. (Isaías 55:6)

O SILÊNCIO DE DEUS NÃO DURA PARA SEMPRE

por Carlos Augusto Vailatti

"No Livro de Jó, Deus fica em silêncio durante os primeiros 37 capítulos, não dizendo uma só palavra a Jó sobre a sua angustiante condição humana. Somente a partir do capítulo 38 é que Deus rompe o silêncio e começa a falar com Jó. Tenha em mente que Deus não ficará em silêncio para sempre diante da tua dor e do teu sofrimento. Acredite que no devido tempo, no capítulo certo da história da tua vida, Deus quebrará o silêncio e falará poderosamente com você. E a voz dEle, esteja certo disso, será maravilhosamente restauradora e confortadora. Porém, nunca se esqueça de uma coisa: o silêncio de Deus não significa a Sua ausência e muito menos a Sua inércia. Enquanto os lábios de Deus se mantêm em silêncio, a Sua poderosa mão continua a agir, mesmo longe dos olhares humanos. Creia nisso!".

O TANQUE DE BETESDA E A SOBREVIVÊNCIA DO MAIS APTO

por Carlos Augusto Vailatti

Foi o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) quem cunhou a famosa expressão "sobrevivência do mais apto" para se referir às constantes lutas pela sobrevivência entre os seres vivos, nas quais apenas os mais "aptos" ou os mais "capazes" se sagram vencedores e, assim, conseguem perpetuar a sua espécie. Aliás, esse pensamento filosófico-biológico, com perdão pelo anacronismo, pode ser encontrado em João 5:1-7.

A filosofia da "sobrevivência do mais apto" está por trás da crença retratada no relato joanino sobre o tanque de "Betesda", segundo a qual apenas "o primeiro" a descer nas águas do tanque, após a sua movimentação realizada por um anjo, "sarava de qualquer enfermidade que tivesse" (João 5:4). Quão irônico era o nome daquele tanque! O nome "Betesda" vem do hebraico, Bet, "Casa" + Hésed, "bondade, misericórdia". Porém, segundo a crença popular citada no relato joanino, somente os "primeiros colocados" tinham direito a usufruir dessa "bondade" e dessa "misericórdia" presentes na "Casa da Misericórdia"! A "lógica" do tanque de Betesta não premiava o segundo e terceiro lugares, respectivamente, com as medalhas de prata e bronze. Nada disso! No pódio desumano e injusto de Betesda só havia lugar para um ganhador, o medalhista de ouro. Apenas o corredor mais veloz, o Usain Bolt hierosolimitano que chegasse na frente dos outros, teria direito a erguer o "troféu da cura". Os demais "concorrentes", infelizes perdedores "inaptos", eram simplesmente desclassificados, uma vez que não havia lugar para eles no "ranking de um homem só" de Betesda.

Nesse cenário desprovido de qualquer misericórdia, onde apenas os corredores mais velozes eram premiados, aparece um homem paralítico anônimo que há 38 anos buscava ser o primeiro colocado naquela maratona desigual pela cura, mas que havia sempre fracassado (João 5:5). Segundo o próprio relato desse pobre homem: "enquanto eu vou, desce outro 'antes' de mim" (João 5:7).

Depois de tamanha dor e sofrimento experimentados por aquele pobre paralítico, Jesus entra em cena e acaba com toda a ideologia filosófico-biológica da "sobrevivência do mais apto" que permeava a crença popular daquela região. Jesus diz àquele homem: "Queres ficar são?" (João 5:6). Então, depois de ouvir o seu lamento, Jesus lhe disse: "Levanta-te, toma a tua cama e anda" (João 5:8). Em outras palavras, Jesus estava dizendo o seguinte para aquele homem: "Você não precisa ser o primeiro colocado para alcançar o favor de Deus".

A principal lição que Jesus quer nos transmitir nesse texto é que o favor divino não depende dos méritos humanos. Dito de outro modo, Deus não recompensa os mais aptos, os mais capazes ou os mais santos usando como critério a sua "competência". Muito pelo contrário! No "pódio de Deus", há sempre um lugar reservado para os medalhistas de prata, bronze, latão etc. Aliás, quem põe a medalha no pescoço do "corredor" durante essa grande São Silvestre da vida é a conhecida "assistente" de Deus, Sua Graça! Portanto, os "desclassificados" segundo os critérios e padrões humanos sempre encontrarão "um lugar à sombra" junto à Presença divina. Se em Betesda, a "lógica" predominante era a da "sobrevivência do mais apto", no "pódio" da graça, o pensamento dominante diz que "não é dos ligeiros a carreira, nem dos valentes, a peleja, nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos inteligentes o favor, mas (...) o tempo e a sorte pertencem a todos" (Eclesiastes 9:11).