segunda-feira, 29 de junho de 2009

E Disse Deus: "Haja Cruz". E Houve Cruz.


Esta breve reflexão tem o objetivo de nos mostrar, entre outras coisas, que foi o próprio Deus quem tomou a iniciativa no ato de redimir o ser humano de seus pecados. Esse fato é tão evidente que a Bíblia chega até mesmo a falar sobre o "Cordeiro [Jesus] que foi morto desde a fundação do mundo" (Ap 13.8). Isto é, antes que o homem existisse e, portanto, antes que pudesse praticar qualquer obra em seu favor (e até mesmo contra si próprio), Deus já havia planejado a cruz.

Aliás, é curioso observar como a cruz projeta a sua "sombra" sobre toda a Bíblia, até culminar na morte de Jesus Cristo no madeiro. Com isso, Deus estava mostrando ao homem, ao longo do tempo, de que forma Ele haveria de salvar o ser humano, ou seja, através da crucificação de Seu Filho. Dito de outra maneira, a cruz foi o jeito que Deus encontrou para poder declarar o Seu eterno amor para com toda a humanidade pecadora. O "haja cruz" pode ser notado em várias passagens do Antigo Testamento, nas quais a cruz já estava sendo prevista no pensamento de Deus.

Em Êxodo 12, no capítulo que trata sobre a instituição da Páscoa, o texto bíblico fala sobre o "cordeiro sem mácula" (v.5) que deveria ser sacrificado "à tarde" (v.6) e cujo "sangue" (v.7) deveria ser colocado nos umbrais das portas a fim de "proteger" (v.13) aqueles que estivessem dentro daquelas casas. Estes acontecimentos prefiguraram de forma admirável a morte do Cordeiro de Deus, Jesus, no Gólgota, pelos nossos pecados.

Em Êxodo (entre os capítulos 25-40), no corpo da narrativa que descreve toda a mobília que compunha o tabernáculo, vemos que a posição em que cada móvel se encontrava lembrava o contorno da cruz (basta traçar uma linha vertical imaginária, de baixo para cima, cujo "traçado" é formado pelo Altar do Holocausto, a Pia de Bronze, o Altar do Incenso e a Arca da Aliança. Tendo feito isso, imagine agora essa linha vertical sendo cruzada na horizontal por outra linha imaginária formada pelo Candelabro à esquerda e a Mesa dos Pães da Proposição à direita). Essa figura lembra os contornos geométricos da cruz!

Em Levítico, os sacrifícios expiatórios de animais também apontavam, em caráter temporário e rudimentar, para o perfeito sacrifício que seria realizado séculos depois, ou seja, o sacrifício de Cristo no Calvário.

Já em Números, vemos o relato sobre a serpente de metal que é hasteada por Moisés no deserto (Nm 21.4-9). O contexto da passagem nos fala sobre os israelitas murmuradores que foram picados por serpentes, muitos dos quais morreram. Acontece, porém, que todos aqueles que eram picados por estas serpentes venenosas e olhavam para essa serpente de metal, ficavam curados. Depois de passados mais de mil anos, o próprio Jesus, comentando esse evento, declarou o seguinte: "E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; Para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3.14,15). Em outras palavras, Jesus comparou o hasteamento da serpente de metal no deserto com o seu próprio hasteamento na cruz!

Indo mais adiante, mais exatamente no livro dos Salmos, vemos Davi falar profeticamente sobre a crucificação de Jesus, ao dizer: "transpassaram-me as mãos e os pés" (Sl 22.16b). Detalhe: tais palavras foram ditas cerca de mil anos antes de Jesus ser conduzido à cruz!


Entrando nos livros proféticos, vemos os contornos da cruz serem fortemente delineados de forma magnífica no belíssimo texto messiânico de Isaías 52.13-53.12. E esse texto que fala, por exemplo, sobre o "cordeiro que foi levado ao matadouro" e que "não abriu a sua boca" (53.7) faz a ponte perfeita para a crucificação de Jesus tal como aparece narrada no Novo Testamento.

Nas páginas do Antigo Testamento a cruz existe na intenção salvífica e redentora de Deus. É algo que ainda não foi concretizado e, por isso, é apenas o "Haja Cruz". Porém, no Novo Testamento, o cumprimento desta intenção divina se realiza e, portanto, o resultado é: "E Houve Cruz". Conseqüentemente, houve também salvação! No Novo Testamento, o Verbo se fez carne para que, além de outros motivos, Deus pudesse principalmente se tornar "crucificável". Isso me faz pensar no maravilhoso texto de Hebreus 10.5: "Pelo que, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste". Deus preparou um corpo físico para o Seu Filho, Jesus, para que este pudesse morrer na cruz pelos nossos pecados!


Nisso tudo podemos perceber como os valores de Deus são tão diferentes daquilo que os homens valorizam! Os homens, de forma individualista e materialista, dizem: "haja prosperidade", "haja prazer", "haja conforto", "haja poder", "haja diversão". Contudo, Deus, de forma altruísta, diz: "haja amor", "haja perdão", "haja reconciliação", "haja encarnação", "haja salvação" e, portanto, "Haja Cruz!". E Houve Cruz! E porque houve cruz, então hoje "temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5.1).


Ora, Àquele que nos reconciliou consigo mesmo por meio da cruz de Seu Filho, sejam o louvor, a glória e a honra para todo o sempre!


Em Cristo,

Carlos Augusto Vailatti

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Os Tímidos não vão para o Céu?

Quando abrimos a nossa Bíblia em Apocalipse 21.8, encontramos uma declaração deveras perturbadora. O texto diz o seguinte:

"Mas, quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos fornicários, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre; o que é a segunda morte".

O que eu acho surpreendente neste texto é o fato dos "tímidos" serem colocados no mesmo "pacote", juntos com os "incrédulos, abomináveis, homicidas, fornicários, feiticeiros, idólatras e mentirosos"! Aliás, os tímidos não apenas são misturados com esse tipo de gente, antes, são os primeiros a serem citados nesta terrível lista! Apenas a título de ilustração, é como se um "ladrão de galinhas" fosse preso juntamente com um serial killer da mais alta periculosidade e da pior espécie.

Diante disso, você pode se perguntar: "Por que Deus não gosta dos tímidos, uma vez que foi Ele mesmo quem criou cada ser humano com um tipo diferente de temperamento?". A esta altura, os crentes que são tímidos devem estar desesperados: "Meu Deus, mas que culpa eu tenho de ser acanhado e retraído?". Por outro lado, aqueles que são mais extrovertidos, brincalhões e expansivos devem estar se gabando: "Sempre soube que eu era o (a) preferido (a) de Deus!".

Bem, antes que os tímidos entrem em depressão e os extrovertidos se sintam a "última bolacha do pacote", devo dizer que o texto de Apocalipse não está querendo dizer nada disso. Explico: a palavra "tímidos" que aparece em Ap 21.8 vem do grego "deilois" que também pode ser traduzido como "medrosos, covardes". Mas então, o que significa dizer neste contexto que os "covardes", por exemplo, terão a sua parte "no lago de fogo e enxofre, o que é a segunda morte"?

Antes de tudo, é necessário dizer que entre os gregos da Antigüidade e, mais particularmente nas escolas filosóficas de moral, era comum a utilização de espécies de "listas de vícios" na instrução dos alunos. Tais listas forneciam uma determinada quantidade de "erros morais", os quais deveriam ser evitados por todos aqueles que quisessem seguir a prática da virtude. Ao que tudo indica, esse conceito de "listas de vícios" parece se refletir neste texto de Apocalipse.

Ora, mas por que os "tímidos", ou melhor, os "covardes" estão incluídos nesta lista? Para respondermos a esta pergunta temos que entender que o livro do Apocalipse é escrito em meio a um contexto de perseguição, dentro do qual todos aqueles que não prestassem o devido culto ao imperador romano seriam sentenciados à morte. Diante desse cenário, João faz então uma séria advertência aos cristãos covardes que, durante o tempo das perseguições, renunciavam a sua fé em Cristo com o intuito de preservarem suas vidas. Segundo o apóstolo, tais pessoas que se comportassem assim estavam sentenciadas ao "lago de fogo e enxofre".

A lição central desse texto de Apocalipse (particularmente no que se refere aos "covardes") é a seguinte: Em épocas de grande perseguição e tribulação, temos que ser corajosos na expressão da nossa fé em Cristo. Em outras palavras, não podemos ser como o "Crente-Xuxa", que, quando tudo está bem na sua vida, é só "beijinho, beijinho", mas quando tudo vai mal, ele vira as costas para Jesus e diz: "tchau, tchau!". Será que você já se deparou com pessoas desse tipo antes?

Na paz dAquele que deseja que sejamos corajosos na expressão da nossa fé,

Carlos Augusto Vailatti

domingo, 7 de junho de 2009

O Pastor Ideal. Ele Existe?


Vivemos em épocas cujos padrões de qualidade oferecidos pelas empresas seculares também têm experimentado o seu reflexo até mesmo dentro da própria Igreja. Isto significa que a busca pelo "pastor ideal", com alto padrão de qualidade, isto é, uma espécie de pastor que tenha o certificado ISO 9000, tem sido bastante grande. Porém, a pergunta que faço é: "Existe, de fato, o pastor ideal?". Bem, acredito que a resposta a esta pergunta seja um veemente: "não!".

Entretanto, não há como negar que há uma certa "insatisfação pastoral
" quase que generalizada em muitos arraiais evangélicos mundo afora, insatisfação esta que denuncia a necessidade que as ovelhas têm de encontrar um modelo de líder eclesiástico em quem possam se espelhar e depositar a sua confiança. Porém, tal "padrão de qualidade pastoral", longe de ser uma realidade alcançável, demonstra ser, pelo contrário, um ideal utópico, impossível de ser atingido. Tal fato pode ser demonstrado nas linhas que seguem:


1. Se o pastor é jovem demais, então ele é inexperiente; se já possui cabelos grisalhos, é considerado velho demais.

2. Se o pastor tem três ou quatro filhos, ele é visto como um homem relaxado, que não soube ter um "controle de natalidade" eficaz; por outro lado, se ele não tem nenhum filho, é visto como uma pessoa egoísta e que não tem a mínima autoridade para falar sobre filhos, já que ele não os tem.

3. Se o pastor chama a atenção das crianças quando fazem barulho durante o culto, ele é insensível e não gosta de crianças; se, porém, ele não chama a atenção delas, ele é um líder que não está nem aí com a ordem do culto e com as "coisas de Deus".

4. Se a esposa do pastor canta no coral, é porque ela está querendo aparecer; contudo, se ela não canta, é porque ela não tem o mínimo interesse em apoiar ao seu marido em seu ministério.

5. Se o pastor prega durante apenas meia hora, é porque ele não tem conteúdo; se ele prega durante uma hora, então é um prolixo que não tem domínio próprio sobre a sua língua.

6.Se o pastor dedica bastante tempo aos seus estudos bíblico-teológicos, ele é racional demais e também é anti-social, pois não dá a menor atenção ao rebanho; se, contudo, ele vive visitando os fiéis, é porque é um desocupado que não tem algo mais importante a fazer.

7.Se o pastor é daqueles que usam muitas ilustrações em suas pregações, ele é visto como um mero contador de histórias (uma espécie de Forrest Gump gospel), o qual não se preparou adequadamente no estudo da Bíblia; mas, se ele não utiliza ilustrações em seus sermões, estes são tidos como frios, enfadonhos e chatos.

8. Se o pastor recebe um salário "gordo", ele é um mercenário e interesseiro, pois só está no ministério por causa do dinheiro; se ele se contenta com um singelo ordenado, é porque não dá o mínimo valor ao seu ministério pastoral.

9. Se o pastor conta piadas no púlpito, ele está cometendo um sacrilégio, pois está se comportando como um mundano; se ele não usa nenhuma anedota em seus sermões, a sua mensagem é "sem graça".

10. Se o pastor cita palavras em hebraico ou em grego em suas mensagens, ele está querendo se mostrar; agora, se ele não faz nenhuma citação nestas línguas, então ele é inculto e ignorante;

11. Se o pastor costuma usar o púlpito todos os domingos para pregar, ele é egoísta e vaidoso, porque só pensa em si mesmo; já se ele cede a oportunidade para outros pregadores, é porque está se eximindo de suas próprias responsabilidades.

12. Se o pastor prega a respeito dos dízimos, ele é ambicioso e só pensa em dinheiro; se não o faz, ele está negligenciando o sagrado ensinamento sobre o dever da contribuição.

13. Se o pastor prega sobre a santificação e o arrependimento, ele está "descendo o cajado" nas pobres das ovelhas; se ele não aborda tais assuntos, é porque ele deve ter "culpa no cartório".

14. Se o pastor usa um terno diferente a cada domingo, ele é um exibicionista e um ostentador que, muitas vezes, só está se vestindo bem às custas da igreja; mas, se ele usa quase sempre a mesma indumentária, é criticado por não saber se vestir adequadamente no "dia do Senhor".

15. Se o pastor concede a oportunidade para os membros mais abastados da igreja desempenharem o serviço cristão, é porque ele está de olho no dízimo deles; se, entretanto, ele concede tal oportunidade aos mais pobres, ele está querendo fazer o seu marketing pessoal espiritual.

16. Se o pastor vive telefonando para as suas ovelhas durante a semana, é porque ele "não dá um tempo" e só se preocupa em "sufocar" e "policiar" a vida dos seus arrebanhados; todavia, se ele não liga pra ninguém, é porque ele não está nem aí com a situação espiritual das ovelhas.

17. Se o pastor trabalha na igreja full time (por tempo integral), ele é um sujeito aproveitador que, por não ter conseguido um "trabalho melhor", só quer saber de "sair no lucro" de forma fácil; por outro lado, se ele trabalha meio período na igreja e meio período em um serviço secular, é porque ele não dá a mínima importância para a "obra do Senhor", pois a está fazendo de "qualquer maneira".

18. Se o pastor "dirige o culto" de domingo de maneira que este termine mais tarde, ele é desorganizado e relapso, pois não está preocupado com o fato de que os irmãos terão que levantar cedo na segunda-feira para trabalhar; mas, se o culto termina no horário ou mais cedo do que o previsto, ele não é "espiritual, o bastante" para deixar o culto "fluir" no Espírito.


Ora, diante destes e de muitos outros exemplos que poderiam ser citados, chego à seguinte conclusão: "SER PASTOR É MUITO DIFÍCIL!". E toda esta dificuldade se deve, em parte, ao fato de que muitos membros projetam em seus pastores a figura utópica do líder ideal (ou "Super Líder"), o qual tem a responsabilidade de ser sempre: o melhor pregador, o melhor teólogo, o melhor companheiro, o melhor administrador do culto, o melhor pai, o melhor marido, o melhor amigo, o melhor conselheiro etc. Detalhe: Todos esses bons predicados têm que coexistirem sempre ao mesmo tempo no pastor, sem exceção! E ai dele se não for perfeito em tudo!

Porém, a essa altura da nossa reflexão, creio que seja importante deixar registrado aqui dois recados: um para os pastores e outro para as ovelhas.

Primeiramente, me dirijo aos pastores. Caro pastor, não tenha a pretensão de agradar a todas as ovelhas em seu ministério, pois isso jamais acontecerá. Sempre haverá pessoas insatisfeitas com o culto, com a mensagem, com o louvor e até mesmo com você! Porém, não se deixe desanimar diante disso. Aliás, não use isso como justificativa para não oferecer o seu melhor a Deus e à Sua Igreja. Se Deus o vocacionou ao pastorado, vá em frente! Busque dar aquilo você tem de melhor no ministério e creia que o Senhor o abençoará.

Agora, falo às ovelhas. Nobres ovelhas do aprisco do Senhor, tomem cuidado para não exigirem demais de seus pastores. Não se esqueçam que eles não são "super homens". Pelo contrário, são tão humanos quanto vocês. Eles também enfrentam diariamente os mesmos problemas e as mesmas dificuldades que vocês enfrentam. Além disso, não exijam demais da esposa do pastor e do(s) filho(s) do pastor, impondo-lhes um nível de "santidade" e de "comportamento exemplar" que nem mesmo vocês ou seus filhos conseguem desempenhar. Respeite o seu pastor e ore muito por ele, pois, assim como você, ele também precisa de muito apoio, de muita compreensão e, acima de tudo, de muita oração.

Bem, acredito que ao término desse nosso pensamento duas coisas tenham ficado bem claras: assim como não há o pastor ideal, também não há a ovelha ideal. A Igreja de Cristo é composta por pastores e ovelhas imperfeitos, falhos e pecadores. Todavia, tanto um como o outro buscam almejar para as suas vidas o exemplo de perfeição que o Sumo Pastor, Jesus Cristo, lhes inspira.

Ora, Àquele que é o Único Pastor Ideal, o Sumo Pastor das nossas almas, sejam o louvor e a majestade para todo o sempre!

Em Cristo,

Autor:
Carlos Augusto Vailatti

sábado, 6 de junho de 2009

De que Planeta Você é?


Às vezes, em nome da santidade e da boa conduta “cristãs”, somos ensinados a não nos misturarmos com “as coisas do mundo”. Tal discurso alienador encontra na máxima cristã: “Não somos desse mundo” a sua mais forte aliada. Aprendemos, muitas vezes, que não devemos ouvir “músicas do mundo”, nem ler “livros do mundo”, nem tão pouco nos divertir com “diversões do mundo”, ou assistir a “filmes do mundo”, pois todos estes elementos mundanos são profanos e, portanto, podem “contaminar” a nossa fé e vida cristãs.

Porém, é curioso notar que o apóstolo Paulo, por exemplo, e em certo sentido, parece ir na contramão de todo este “sistema alienante” que se diz ser cristão. Sabe-se que o apóstolo Paulo, várias vezes, menciona ditos ou pensamentos pagãos (ou “mundanos”, se preferir) em suas epístolas. No seu famoso discurso feito no Areópago de Atenas, por exemplo, Paulo cita em Atos 17.28b uma passagem do poeta grego Arato (315/310-240 a.C.)[1], a qual também ocorre na oração que Cleantes (331/330-225/220 a.C.)[2] dirige ao deus romano Júpiter, em seu Hino a Júpiter: “Pois somos também sua geração”. Além disso, o apóstolo cita o filósofo, poeta e místico cretense Epimênides (c.600 a.C.),[3] quando diz em Atos 17.28a: “Nele vivemos, e nos movemos e existimos”. Em 1 Coríntios 12.14-26, ao falar sobre a importância dos vários membros do corpo comparando-os ao Corpo de Cristo, a Igreja, Paulo utiliza uma comparação que já é bem conhecida naquela época. O apóstolo parece tirar o seu discurso da Fábula da Rebelião dos Membros contra o Estômago, a qual foi utilizada pelo cônsul romano Menênio Agripa (VI século a.C.) em um discurso político.[4] Já em 1 Coríntios 15.32b, Paulo menciona duas sentenças do poeta grego Menandro (c.342-291 a.C.): “Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”[5], bem como, menciona em 1 Coríntios 15.33 um conhecido provérbio popular: “as más conversações corrompem os bons costumes”. Em Tito 1.12, Paulo novamente recorre ao já citado poeta cretense Epimênides (a quem ele chama de “profeta”!), a fim de caracterizar o gênio dos habitantes de Creta: “Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos”.[6] Esses poucos, mas importantes exemplos, servem para nos mostrar que Paulo também usou fontes profanas (“mundanas”) em seus escritos.

A constatação desse fato me leva a pensar na nossa tamanha “hipocrisia cristã” contemporânea. Explico: Dizemos que não podemos ouvir “músicas do mundo”, como, por exemplo, Como é Grande o meu Amor por Você, de Roberto Carlos, mas podemos nos consultar e inclusive fazer cirurgias com “médicos do mundo”, isto é, não-cristãos (é claro, como cuidar da saúde é o mais importante, então, não importa a fé do médico que me atende, desde que ele me ajude a ficar curado!). Dizemos, muitas vezes, que não podemos nos divertir com certas “diversões do mundo”, tais como: teatros, cinemas, parques de diversão, festas juninas etc, mas não estamos nem um pouco preocupados com a fé do juiz que irá julgar um eventual processo nosso que esteja na Justiça (desde que a justiça seja feita, pouco nos importa qual é o “sistema de crenças” desse juiz!). Declaramos que não podemos ler certas “literaturas do mundo”, como A Origem das Espécies, de Charles Darwin, mas ficamos com a nossa consciência tranqüila quando, por exemplo, um mecânico, pedreiro, policial, engenheiro ou qualquer outro “profissional do mundo” nos ajuda a resolver os nossos problemas.

Ora, para ser bastante franco, creio que seja momento de voltarmos a refletir sobre uma das doutrinas teológicas mais importantes das Igrejas Reformadas, ou seja, a doutrina da “Graça Comum”. A Graça Comum é aquela graça que é estendida a todas as pessoas através da providência geral de Deus como, por exemplo, sua provisão do brilho do sol ou da chuva que é para todos.[7]

É a Graça Comum que permite a um não-cristão ser um bom pai, um excelente profissional, um criativo compositor, um inteligente advogado etc, independentemente da fé que ele professa! Sendo assim, temos que tomar bastante cuidado para não vivermos alienados do mundo e da realidade que nos cerca, bem como, temos que tomar cuidado para não demonizarmos tudo aquilo que tachamos de “mundano” e “profano”. Temos que parar com essa “Síndrome de Crente ET” (“Não sou deste mundo”) e entendermos, de uma vez por todas, que ao interceder por nós há quase dois mil anos atrás, Jesus orou assim ao Pai: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (Jo 17.15). É claro que não estou querendo dizer com isso que devamos aceitar tudo aquilo que o mundo nos oferece. Nada disso! Tudo aquilo que se constitui em pecado sempre continuará a ser pecado diante de Deus e, portanto, deverá ser evitado por nós. Porém, não podemos continuar a ser hipócritas, vendo ou não vendo “pecado” apenas naquelas situações que nos são convenientes. Há que se entender que em meio a toda a humanidade (e isso inclui os não-cristãos) nós podemos encontrar exemplos de pensamentos e comportamentos corretos e verdadeiros e que, sendo assim, são dignos de serem apreciados e até mesmo imitados. Dito de outra forma, temos que aprender a aceitar o fato de que também há beleza, inteligência e outros inúmeros rastros de Deus “fora das paredes da Igreja”. Infelizmente, porém, há muitos crentes que insistem em viver uma vida alienada, como se tivessem sido abduzidos por alguma nave extraterrestre para alguma galáxia distante. Algumas pessoas parecem se comportar como se fossem habitantes de Saturno, Mercúrio, ou até mesmo, habitantes do lendário planeta Naboo, de Star Wars II. Tudo isso parece ser muito engraçado, mas, na verdade, é muito triste de se ver.

Diante disso tudo, é necessário perguntar: “de que planeta você é?”. Bem, se você é do planeta Terra (e eu desconfio que seja), então é importante refletirmos sobre a maneira pela qual temos enxergado o nosso mundo. Em outras palavras, a nossa cosmovisão cristã não pode continuar sendo excludente, alienante, preconceituosa e, sobretudo, demonizadora, quando o objeto de nossas reflexões é o mundo em que vivemos e a realidade existencial que nos rodeia.

Ora, ao Deus do Universo sejam a glória e o louvor para sempre!

Em Cristo,

Autor: Carlos Augusto Vailatti


[1] JOHNSON, Luke Timothy. The Acts of the Apostles. Collegeville, The Liturgical Press, 1992, p.316.

[2] GRAY, James Comper & ADAMS, George M. Gray and Adams Bible Commentary.Vol.IV. [Matthew – Acts]. Grand Rapids, Zondervan Publishing House, S.d., p.663, note h.

[3] JOHNSON, Luke Timothy. Op.Cit., p.316.

[4] Cf. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri. [História de Roma]. Vol.I. São Paulo, Editora Paumape S.A., 1989, pp. 149,150.

[5] ROHDEN, Huberto. Paulo de Tarso. São Paulo, Martin Claret Editores Ltda, 1999, p.88.

[6] KELLY, J. N. D. Epístolas Pastorais, introdução e comentário. São Paulo, Vida Nova/Mundo Cristão, 1991, p.213.

[7] ERICKSON, Millard J. Conciso Dicionário de Teologia Cristã. Rio de Janeiro, Juerp, 1995, p.75.