segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Cristão e a Tatuagem


Há muita polêmica, sobretudo, no meio cristão/evangélico, a respeito da feitura de tatuagens em cristãos. Afinal de contas, essa prática é lícita ou é pecado? Bem, a fim de podermos responder a essa intrigante e honesta pergunta, temos que elaborar um estudo mais minucioso sobre o assunto. Sendo assim, vejamos o que segue:

I – Breve História da Tatuagem

a. No Mundo

O hábito de tatuar remonta à Antiguidade. Em alguns povos era sinal de nobreza; em outros, marcava a classe ou posição social, conforme o desenho; noutros ainda, era estigma de condenação.[1] Há provas arqueológicas de que as tatuagens já eram feitas (não nos mesmos moldes de hoje, é claro) no Egito entre 4000 e 2000 a.C. e também por nativos da Polinésia, Filipinas, Indonésia e Nova Zelândia, os quais se tatuavam em rituais relacionados à religião.[2] Já durante a Idade Média, a Igreja Católica baniu a tatuagem da Europa, a qual foi proibida pelo Papa no ano de 787, sob o argumento de que era “coisa do demônio”. Nesta época, qualquer cicatriz, má formação ou desenho na pele era visto com maus olhos.[3] No Japão, as tatuagens estiveram fortemente associadas com a organização criminosa Yakuza e nos EUA muitos prisioneiros e gangues de criminosos usam tatuagens distintivas para indicar fatos sobre seu comportamento criminal, sentenças prisionais e afiliação a uma determinada organização.[4] Na década de 70, jovens da Califórnia (EUA) começaram a pedir que se fizessem desenhos em seus braços e costas, os quais retratavam a cultura popular americana. Dentre os desenhos, destacavam-se as gravuras de Marilyn Monroe, James Dean e Jimmy Hendrix. Neste mesmo período, os surfistas passaram a aderir à moda, desenhando em seu corpo figuras de serpentes e dragões.[5] Nos anos 60 e70, a tatuagem é inserida no mundo da contracultura e da indústria pop. Nesta época, o movimento hippie e o Rock’n’Roll contribuíram muito para a popularização da tatuagem. Porém, ainda neste momento, a tatuagem era vista de forma marginalizada, pois estava associada a uma forma de protesto social.[6]

b. No Brasil

No que diz respeito ao Brasil, a tatuagem chega em nosso solo no século XIX, sendo trazida por marinheiros ingleses e americanos às cidades portuárias e se espalhando como moda entre marinheiros e prostitutas.[7] Quanto à tatuagem elétrica, esta chega ao Brasil em julho de 1959 com o dinamarquês Knud Harald Lykke Gregersen, o qual ficou conhecido como “Lucky Tattoo”.[8] A partir daí, a mensagem que a tatuagem passaria a transmitir às pessoas, estaria diretamente ligada aos movimentos existentes nas décadas posteriores. Em 1977, por exemplo, a tatuagem também é aderida pelo movimento punk, o qual surge na periferia de São Paulo.[9] Durante os anos 80 e 90 a tatuagem também continuou a ser enxergada com suspeitas, pois ainda estava associada a marginais, criminosos, delinqüentes e prostitutas, embora tal estigma diminuísse na década de 90. Já no final do século XX e início do século XXI, a tatuagem se transformou de bandido em mocinho. Hoje, por exemplo, a tatuagem já é vista sem maiores problemas e pode ser encontrada, inclusive, nos corpos de Mauricinhos e Patricinhas, atores e atrizes, celebridades e pessoas comuns do povo. Porém, além desse aspecto histórico, o que a Bíblia fala sobre tatuagens? Bem, isso é o que veremos a seguir.

II – A Tatuagem na Bíblia

Embora o termo “tatuagem” tenha surgido em tempos recentes, todavia, nós encontramos na Bíblia dois textos que parecem fazer referência à pratica da tatuagem em Lv 19.28 e Dt 14.1.

a. Levítico 19.28

O texto de Lv 19.28 é a passagem básica, em torno da qual toda a polêmica sobre “fazer tatuagens” se desenrola. Portanto, a fim de tentarmos elucidar a questão, a nossa análise terá essa passagem como ponto de partida para que, em seguida, passemos a analisar a sua passagem correlata de Dt 14.1 e, assim, partamos para as demais etapas de nosso estudo. Vejamos o que diz o texto:

“E incisão pelas almas (dos mortos) não fareis na vossa carne, nem imprimireis marca em vós: eu sou o Senhor” (Lv 19.28).[10]

Em primeiro lugar, deve ser dito que esse versículo está situado dentro do contexto mais amplo daquilo que é conhecido na teologia como “Código de Santidade” (referência às leis encontradas em Levítico, capítulos 17-26).[11] Tal código tem o objetivo de demonstrar a Israel as implicações da santidade divina para o sistema de culto e adoração que o povo do pacto deveria adotar como prática normativa. Isso significava, portanto, que a adesão a tais preceitos divinos por parte do povo constituía-se elemento indispensável para a sua relação com Javé. É dentro desse contexto que devemos situar a nossa passagem.

Em segundo lugar, a palavra que nos interessa destacar aqui é a palavra “marca”. Esta palavra é derivada do hebraico qa´aqa´, cujos significados básicos são: “incisão, tatuagem”.[12] Já na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento hebraico – datada do III século a.C.), a palavra “marca” é a tradução do grego stikta,[13] palavra esta derivada do verbo stizo, “fazer um sinal com um instrumento agudo ou candente; pintar, tatuar; fazer sinais com golpes”.[14]

Em terceiro lugar, a expressão “E incisão pelas almas (dos mortos) não fareis na vossa carne”,[15] deve ser enxergada no contexto da proibição contra as mutilações, uma vez que muitos povos pagãos lamentavam-se desse modo pelos seus mortos.[16] Isso é visto claramente em 1 Rs 18.28, no confronto entre Elias e os adoradores de Baal no monte Carmelo, onde vemos que estes últimos “se retalhavam com facas e com lancetas, conforme o seu costume, até derramarem sangue sobre si”. Tais atos eram absolutamente proibidos em Israel. Quanto à segunda parte do verso, “nem imprimireis marca em vós”, tal proibição pode ter algum vínculo com as práticas de idolatria entre várias nações antigas, pois se sabe que palavras sagradas, por exemplo, eram tatuadas na pele de adoradores pagãos.[17] Sendo assim, a prática de se fazer marcas na pele poderia estar relacionada à tatuagem ou à pintura do corpo como parte de uma espécie de ritual religioso.[18] Dessa forma, Deus não quer que Israel pratique esses hábitos pagãos e se comporte como as demais nações que vivem ao seu redor. Deus quer que Israel seja uma nação santa, isto é, uma nação separada para servi-lo e que tenha um estilo de vida diferente das demais.

b. Deuteronômio 14.1

A passagem de Dt 14.1 é praticamente paralela à de Lv 19.28, conforme podemos ver a seguir:

“Vocês são filhos do Eterno, o nosso Deus. Portanto, quando chorarem a morte de alguém, não se cortem nem rapem a cabeça, como os outros povos fazem”.[19]

Aqui, a frase cujo teor se repete em Lv 19.28 é “quando chorarem a morte de alguém, não se cortem”. Aqui, a expressão “não se cortem” traduz corretamente a raiz hebraica gadad, “cortar, invadir”.[20] O verso todo deixa claro que a idéia de “se cortar” está inserida dentro de um contexto fúnebre, onde a Israel é proibido novamente imitar as práticas pagãs vizinhas. Embora neste verso a idéia de fazer cortes no corpo não esteja necessariamente ligada ao conceito de fazer marcas, como uma forma de identificação com alguma divindade (como Lv 19.28 parece sugerir), em linhas gerais, tanto Lv 19.28 quanto Dt 14.1 tratam basicamente do mesmo assunto.

III – A Sacralidade do Corpo

Segundo a Bíblia, o nosso corpo é sagrado, pois ele é uma das criações de Deus (Gn 1.26-28). Ao criá-lo, Deus ficou satisfeito consigo mesmo e com a sua obra, pois “viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (Gn 1.31).

Ao longo da história bíblica, Deus deixou claro que era Sua intenção que nós, seres humanos, fôssemos mordomos do corpo que Ele nos deu, isto é, era Seu desejo (e ainda o é) que cuidássemos bem desse corpo, pois Ele o havia escolhido para ser Sua morada (1 Co 3.16). Sendo assim, todo o tipo de comportamento que tenhamos, o qual, direta ou indiretamente, vier a causar algum tipo de dano ao nosso corpo, deve ser evitado por nós. É por isso que encontramos na Bíblia certas proibições, tais como: a da ingestão da gordura (Lv 3.16,17), pois Deus não queria que seus sacerdotes morressem com suas veias e artérias obstruídas, bem como, a proibição quanto a comer carne de certos animais (Lv 11; Dt 14). Encontramos ainda advertências contra a glutonaria (Gl 5.21), contra a ingestão desordenada de vinho (Ef 5.18) e contra a prostituição (1 Co 6.18), dentre outras coisas. E dentro desses breves exemplos, devemos situar a tatuagem. E você sabe por quê? Porque as tatuagens podem provocar alergias devido à penetração da tinta na pele, além de outras doenças transmitidas através de sangue contaminado (caso a agulha não esteja devidamente esterilizada). Todavia, alguém poderá tentar rebater esse argumento, dizendo: “mas, e se a agulha estiver esterilizada? Neste caso, ainda há algum problema em fazer uma tatuagem?”. E a resposta a essa pergunta é: “A questão não gira somente em torno da esterilização ou não da agulha. O fato é que a tatuagem fere a pele, causando, portanto, dor, àquele que a ela se submete. Sendo assim, tal procedimento não leva em consideração o respeito que se deve ao corpo, bem como os cuidados que devemos tomar quanto à preservação do mesmo”. Porém, quando um tratamento que se utiliza da dor (como uma cirurgia, por exemplo) é a única alternativa disponível à pessoa para que esta se veja curada de uma determinada doença, então, neste caso, para que a saúde do corpo (e do indivíduo como um todo, é claro) seja mantida, tal procedimento é absolutamente justificável e legítimo.

Conclusão

Em vista de tudo quanto dissemos até aqui, acredito que algum cristão ainda poderá perguntar: “E se eu tatuar o nome de Jesus no meu braço? Essa tatuagem não será uma forma de testemunhar ao mundo a minha fé?”. Bem, acredito sinceramente que tatuar o nome de Jesus (ou qualquer outra expressão bíblica) numa parte visível do meu corpo não é a melhor maneira que há de testemunhar a minha fé em Cristo. Penso antes que, levar uma vida pautada pela Palavra de Deus seja incomparavelmente melhor e mais eficaz do que seguir qualquer outra forma alternativa.

Na paz de Cristo,

Autor: Carlos Augusto Vailatti


[1] SILVA, Da Costa e. Dicionário Universal de Curiosidades. Vol.V. São Paulo, Com. e Imp. de Livros Cil S/A, 1964, p.1219.

[2] Extraído de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tatuagem.

[3] Idem.

[4] Extraído de: http://en.wikipedia.org/wiki/Tattoo.

[5] Extraído de: http://www.planetaterra.com.br/interna/0,,OI3062671-EI11908,00.html.

[6] LEITÃO, Débora Krischke. À Flor da Pele: Estudo Antropológico Sobre a Prática da Tatuagem em Grupos Urbanos. Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais apresentado à UFRGS. Rio Grande do Sul, 2000, p.5. Extraído de: http://www.iluminuras.ufrgs.br/artigos/2004-10-flor-da-pele.pdf.

[7] Idem, Ibidem, p.7.

[8] Extraído de: http://www.portaltattoo.com/tatuagem/historia.

[9] LEITÃO, Débora Krischke. Op.Cit, p.8.

[10] Minha tradução da passagem está baseada em: ELLIGER, K. & RUDOLPH, W. Biblia Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1997.

[11] PATZIA, Arthur G. & PETROTTA, Anthony J. Dicionário de Estudos Bíblicos. São Paulo, Editora Vida, 2003, pp.35,36).

[12] HARRIS, R. Laird. (org.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo, Vida Nova, 1998, p.1356.

[13] RAHLFS, Alfred. Septuaginta. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1979.

[14] PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Lisboa, Edições da Livraria Apostolado da Imprensa, 1976, p.530.

[15] A ARC (Tradução da Bíblia de Almeida, Revista e Corrigida) traduz esta frase assim: “Pelos mortos não dareis golpes na vossa carne”.

[16] CHAMPLIN, R.N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol.1. São Paulo, Hagnos, 2001, p.554.

[17] Idem, Ibidem.

[18] WALTON, John H., MATTHEWS, Victor H. & CHAVALAS, Mark W. Comentário Bíblico Atos: Antigo Testamento. Belo Horizonte, Editora Atos, 2003, p.136.

[19] BLH (Bíblia na Linguagem de Hoje).

[20] HARRIS, R. Laird. (org.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p.244.


Um comentário:

  1. Na minha visão como cristão protestante, não condiz com uma boa conduta um cristão seguidor de Cristo fazer tatuagem.
    Esses que se dizem "cristão" acham que não tem nada de mais colocar uma tatuagem em seu corpo, estão se enganando a si mesmo.
    Logo... Logo vão dizer que pode fazer outras coisas repugnantes como fumar uma maconha para fins de tratamentos terapêuticos, assistirem filmes pornôs que isso não seria nada de mais, apenas uma terapia para acende o fogo da paixão entre o casal que está como problema em seu relacionamento íntimo.
    Vão achar no direito de ser relacionar com homoseualismo já que em vários paises já estão legalizando o casamento desse tipo de conduta imoral e vão achar normais dentro das igrejas.

    Paulo dedicou três capítulos no livro de I CORINTIOS a essa questão sobre tais atitudes que traria escândalos ao nosso meio.
    Ele começou mostrando como visitar templos de ídolos poderia "ferir" os demais irmãos que são novos na fé.
    "Sabemos que o ídolo não significa nada no mundo" 8:4.O ponto crucial do argumento deles era que não fazia mal assistir a festas de ídolos pq eles já sabiam que ídolos eram mortos sem vidas para os convertidos dos irmãos corintios.Paulo disse que os ex-idólatras honravam em seu coração o ídolo, enquanto assistiam.Finalmente,eles diziam que a comida era da mesma forma para Deus (8:8).Eles estavam insistindo no seu direito de comer o que lhes agradasse, mas Paulo afirmou que devemos seguir o amor, e não a libertinagem deve guiar nossa conduta.

    Então fazendo uma tatuagem não foge a essa questão no quero dizer aqui, faz escândalo e por causando grande confusão na mente de jovens novos na fé.

    Reprovo inteiramente essa pratica em nosso meio.

    Edson Souza
    São Paulo - Capital

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