domingo, 20 de junho de 2010

Futebol, Política e Religião não se Discutem. Será?



Um dos ditados mais conhecidos e gastos da nossa sabedoria popular brasileira é aquele que diz que “futebol, política e religião não se discutem”. Esse ditado sacrossanto, intocável e até mesmo “imexível” (pedindo licença para tomar de empréstimo o neologismo criado pelo nosso ex-ministro do Trabalho, Antônio Rogério Magri) reflete a existência daquela que é, a meu ver, a maior contradição brasileira: a insistência escapista em não querer discutir os três temas que estão mais presentes no imaginário popular brasileiro. 
Essa tríade tupiniquim, mais famosa que as histórias dos Três Mosqueteiros, dos Três Patetas, dos Três Porquinhos e, até mesmo, da trilogia do filme Senhor dos Anéis, é composta pelas três características mais marcantes do brasileiro, podendo ser vistas na seguinte identidade tripartida do brasileiro contemporâneo: o brasileiro hoje é, ao mesmo tempo, “homus futebolisticus” (homem que aprecia o futebol), “homus politicus” (homem político) e “homus religiosus” (homem religioso).  
Embora todos nós estejamos cientes do fato de que não pode haver concordância de opiniões com relação a esses três assuntos (futebol, política e religião) devido à complexidade de fatores e elementos agregados a esses temas, contudo, isso não deve nos servir de desculpas para fugirmos desses assuntos, tal como “o diabo foge da cruz”. Em outras palavras, permita-me destoar do coro tradicional e afirmar categoricamente que: “Futebol, Política e Religião se Discutem Sim!”.
É bom lembrar que uma das características que nos tornam únicos em nossa essência e natureza é a capacidade que temos de pensar, de refletir e de emitir opiniões, ainda que estas sejam divergentes e destoantes das opiniões de outros. Aliás, isto é democracia! É liberdade de expressão! É exercer o livre-arbítrio! Sendo assim, vamos então à “discussão” sobre esse triângulo conflituoso:
I – Discutindo “Futebol”
Desde que o descendente de ingleses e escoceses, o paulista Charles Miller (1874-1953), trouxe o futebol da Inglaterra para o Brasil, e desde que o primeiro jogo de futebol foi realizado em 1895 (há 115 anos) em nossa “terra adorada”, não há como não discutirmos futebol. Somos pentacampeões. Estamos correndo atrás do “hexa”. Somos conhecidos como “a pátria de chuteiras” ou “o país do futebol”. Possuímos mais de 800 clubes de futebol profissionais, 13 mil times amadores, 11 mil atletas federados e cerca de 30 milhões de praticantes dessa arte nacional. Em cada rua, vila e bairro de nossas cidades, centenas de milhares de crianças, adolescentes e marmanjos podem ser vistos chutando aquela “redonda” tão amada e tão bem quista pelo nosso povo. Além disso, em termos econômicos, o futebol movimenta mais de R$16 bilhões por ano em nosso país.  Cada um tem o seu “time do coração”, isto é um fato mais do que conhecido por todos nós. Tendo em vista tudo isso, não há como deixar de “discutir futebol”. Portanto, não há como negar o fato de que o brasileiro é um inveterado “homus futebolisticus”.
Aliás, dentro ainda desse tema, é curioso observar como, de uns tempos pra cá, o futebol tem estado cada vez mais vinculado com a religião em nosso país. E isso pode ser visto de várias formas. Quem é que não conhece o movimento dos “Atletas de Cristo”, no qual os atletas estão vinculados a diversos esportes e, dentre eles, é claro, o futebol? Recentemente, vimos a repercussão que teve a postura de parte do time do Santos (composta por evangélicos) em se recusar a participar de uma visita a um Lar Espírita. Além disso, todos nós temos visto com freqüência: camisetas com dizeres cristãos/bíblicos sendo mostradas durante os gols por alguns atacantes, momentos de oração antes do início e/ou após o término de uma partida de futebol e braços levantados com os dedos indicadores em riste apontando para o céu (como forma de gratidão a Deus por uma defesa feita, por um gol marcado, pela conquista de uma partida de futebol, pela conquista de um campeonato etc). Disso tudo se depreende que futebol e religião, por exemplo, não somente se discutem como também se misturam e se interagem.
II – Discutindo “Política”
No que se refere à atual política brasileira, tão imersa em corrupção de todos os tipos, tão retrógrada em algumas de suas leis e tão injusta em muitos de seus pressupostos, deve-se dizer o seguinte: nós, cristãos, não devemos viver alienados à política ou políticas que estão presentes em nossa sociedade.
Se nós somos o “povo do livro” (a Bíblia) e nos ufanamos de que ela é a nossa “única regra de fé e prática”, então, temos que entender que o povo de Deus tem tudo a ver com a política. Personagens bíblicos, tais como José, Moisés, Davi, Salomão, Daniel, Isaías, Amós e tantos outros (para citarmos apenas alguns) estavam inteirados e, muitas vezes, envolvidos com a política dominante em sua época. Eles discutiam, contestavam, questionavam, combatiam e refletiam acerca do sistema político que vigorava em seu tempo. A política não era um assunto irrelevante para eles, pelo contrário, era algo com o qual se preocupavam de forma engajada.
Aliás, o apóstolo Paulo nos pede que façamos “orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; Pelos reis e por todos os que estão em eminência, para que tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade” (1 Timóteo 2.1,2). Em outras palavras, Paulo conta com a participação dos cristãos e suas orações no âmbito político. Dessa forma, não somente o brasileiro em geral, mas também o brasileiro cristão-evangélico em particular, é um homus politicus. Leis como a recém-aprovada “Lei da Ficha Limpa”, que prevê que os políticos que tenham condenações por órgãos colegiados (mais de um juiz) não podem se candidatar nas eleições, são conquistas nossas, são conquistas do povo, pois nasceram a partir de uma iniciativa popular. Logo, foi “discutindo política” que uma lei importante tal como essa pôde ser aprovada em Brasília.
III – Discutindo “Religião”.
Finalmente, o brasileiro de um modo geral também é religioso. O “ser religioso” está em nossas raízes, corre em nossas veias e pulsa em nossos braços. Uma vez que fomos colonizados por Portugal, um país católico, acabamos adquirindo uma predominância religiosa também católica em nossa nação. Além disso, o tráfico negreiro, que trouxe consigo muitos negros oriundos da África para trabalharem e viverem como escravos aqui no Brasil, somado à existência de indígenas nativos em nosso solo, bem como, as suas respectivas crenças, dentre vários outros aspectos, acabaram contribuindo para a formação de uma religião extremamente sincrética, tal como a que vemos em nossos dias atuais.  
Em nosso solo, notamos uma verdadeira “mistureba” religiosa, onde elementos oriundos do catolicismo, da umbanda, do candomblé, do espiritismo e de crenças afro, entre outras, acabam coexistindo, muitas vezes, na vida de uma mesma e única pessoa. Isto sem falar no enorme crescimento das igrejas evangélicas das mais variadas matizes (sobretudo, pentecostais e neopentecostais) em nosso solo.
Estas situações nos conduzem à constatação de que o Brasil é um verdadeiro “laboratório religioso” a céu aberto. Em quase toda “esquina” encontramos igrejas, templos, crenças, cultos, enfim, tudo aquilo que, de uma forma ou de outra, evoca o sagrado. Aliás, chegamos até ao cúmulo de nos apossarmos da divindade, pois reivindicamos a plenos pulmões que “Deus é brasileiro”. Dito de outra forma, o brasileiro é mesmo um “homus religiosus”.
Ora, em vista de tudo o que foi dito, creio que vale à pena sim discutir futebol, política e religião. O que não vale à pena é deixarmos de fazer uso da nossa bela e maravilhosa liberdade de expressão!
Carlos Augusto Vailatti

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